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terça-feira, 29 de julho de 2014
Novos Poderes Concedidos - Valkaria
Poderes Concedidos
Arma de Valkaria Aprimorada
O servo de Valkaria deve ser adaptativo e dominar todas as armas!
Pré-Requisito: Arma de Valkaria Aprimorada, BBA +4.
Benefício: Recebe +2 nas jogadas de dano com todas as armas que saiba usar.
Andarilho Amistoso
Desde que puderam novamente viajar pelo mundo a aparição de um servo de Valkaria parece ser sempre motivo de alegria!
Pré-Requisito: Tendência Boa.
Benefício: Sempre que o personagem chega em uma nova comunidade ao qual não tenha passado anteriormente todos os NPCs não hostis ou que tenham motivos para não se envolver com um servo de Valkaria terá uma recepção positiva ao servo (desde que ele tenha algo que mostre claramente que ele seja servo de Valkaria como um símbolo sagrado, a imagem de Valkaria num amuleto ou no escudo). Além disso ele pode comprar itens mundanos a 50% do preço normal.
Pé na Estrada
Enquanto na companhia de um servo de Valkaria um pequeno grupo de aventureiros pode explorar Arton mais rápido do que o normal.
Pré-Requisito: Sobrevivência como Perícia treinada.
Benefício: Com um teste de Sobrevivência CD definido pelo mestre mediante a distância percorrida pelos personagens, sempre que o grupo estiver em viagem de um ponto especifico para outro conhecido (exemplo de Valkaria para Malpetrim, mais não de Deheon para um ponto onde não conheça como Smokestone) a viagem irá durar metade do tempo, o personagem encontrará as melhores trilhas os atalhos mais inesperados e talvez a própria Valkaria de um empurrãozinho no grupo para andar um pouco mais por aquele trecho perigoso.
Punir o Estagnado
Os servos de Valkaria devem sempre percorrer o mundo para concluir suas ambições e objetivos, mais também para se desenvolver e crescer! Eles punem severamente aqueles que tornam-se preguiçosos e fincam raízes em um único local.
Pré-Requisito: Intuição como Perícia treinada. 10° Nível ou maior.
Benefício: Faça um teste de Intuição contra a Iniciativa de um inimigo que pareça pertencer a mais de 20 dias a um mesmo local (se já for do conhecimento do personagem que o oponente está a mais de 20 dias naquele local esse teste não é necessário). Caso seja bem-sucedido o servo de Valkaria ganha metade do seu nível nos testes de Resistência, Jogadas de ataque e dano.
domingo, 20 de julho de 2014
Grimm TRPG
Autor dos desenhos |
“Sagrada Mãe, nós nascemos com o céu para te
servir e proteger seus amados filhos, nossos irmãos. Aceitamos nosso destino e
lhe pedimos a força e a sabedoria para nos guiar”.
-Hann do Céu Azul, Sacerdote Grimm de Allihanna.
Há muito tempo , quando os deuses ainda povoavam
Arton com suas criações , a deusa Allihanna decidiu que criaria uma raça para
proteger exclusivamente os Grifos que estavam entre seus filhos favoritos. Essa
raça surgiu depois da dos Centauros e foi chamada de Grimm em honra ao primeiro
e maior destes seres que segundo contava-se era um Deus Menor filho da própria
Allihanna e um dos primeiros e maiores heróis desta raça. Esses seres
tremendamente nobres , fortes , orgulhosos e altivos estavam destinados a voar
com seus irmãos os grifos e protegê-los sendo o céu seu lar.
Aparência
“Após três semanas de caminhada para encontrar
meu Amigo Razlen, qual não foi minha surpresa ao entrar na floresta dos
espinheiros e ser recebido por uma criatura humanoide grande e imensamente
forte e massiva em músculos parecida com um grifo que andava sobre duas
pernas”.
-Velgen o Caminhante
A raça conhecida como Grimm assemelha-se muito a
grifos andantes, mas na verdade eles são bem mais que isso. São humanoides
medindo em media 2,5m a 3,0m de altura com o corpo semelhante ao dos
humanos,mas solidamente mais musculoso e robusto no físico,com um “colar” de
penas em torno do pescoço e nos pulsos,com postura ereta e patas traseiras
similares a de leões.Mas o que mais chama a atenção neles são as grandes asas
que nascem em suas costas.As “ mãos” são terminadas em dedos similares a garras
que podem variar de três a cinco.Sua cabeça é igual a das aves de rapina sendo
a cabeça de águia a mais comum mas como ocorre com os Minotauros existindo
varias subespécies com cabeças de outras aves de rapina como, Falcões, Falcões
Peregrinus, Açores, Águias Calvas, Gaviões Reais ou “ Harpias “ , Condores e
outros rapinantes.
As fêmeas são bem menores do que os machos
possuindo em média 1,90 a 2,40m, mas ainda assim tem físicos igualmente
musculosos como o de Amazonas e podem ser ainda mais temíveis quando
enfurecidas que os machos numa batalha. A Cor dos Grimm pode variar. Eles podem
ter corpos com as cores de Leões, Tigres, Leopardos, Panteras, Jaguares, Pumas,
Linces ou mesmo Leopardos da Neve.
Logo após se acasalarem as fêmeas (reprodução e
aparelhos reprodutores semelhantes aos das fêmeas humanas) põem de 3 a 5 ovos
os quais serão chocados em um ninho como as aves. Os Grimm não podem gerar
descendentes mestiços através de cruzamentos com outras raças
Os Grimm gostam muito de lutas e provas de força.
Amam batalhar com oponentes mais fortes e maiores que eles em força e poder,
pois consideram isso uma maneira de testar sua própria força e se sentem mal ao
enfrentarem adversários “indignos” (metade de sua altura ou menos, mesmo que
seja um arquimago necromante lich)...
Relações
“Uma vez na arena apareceu um sujeito estranho, grande
e forte. Tinha asas. Um verdadeiro desafio para qualquer um. Quando os Campeões
da Arena o enfrentaram, todos nós já sabíamos, o empate era a verdadeira vitória...”.
-Zunear Forticus Treinador de Gladiadores e
coordenador da Arena em Tapista
Por seu tamanho e força, os Grimm são criaturas
que se dão muito bem com os Minotauros, sentimento este que pode até não ser
retribuído pelos mesmos nem ser recíproco, mas que não diminui apesar disso o
respeito que sentem para os Grimm. Apesar de pensarem de forma completamente
diferente os Grimm também creem que força é poder a diferença é que eles também
acreditam que veem uma imensa responsabilidade com este poder e que é seu dever
como criaturas maiores e mais fortes proteger aqueles mais fracos que eles .
Isto é sutilmente diferente do modo de pensar dos Minotauros na medida em que
os Grimm não acreditam que proteger os mais fracos implica em “escravizá-los” e
os Grimm tem verdadeira repulsa a tiranos. Atualmente as relações entre os
Grimm e os Minotauros tem ficado mais tensa pois apesar de até poderem entender
os motivos que os levaram a isso os Grimm não veem com bons olhos o fato dos
Minotauros estarem escravizando os povos de Arton nas Guerras Tauricas para
eles não é assim que os mais fortes deveriam agir e segundo eles Goratiks o
maior herói dos Minotauros não aprovaria ver o que seus iguais estão se
tornando ... Ainda assim os Grimm respeitam os Minotauros e esperam que de
igual modo eles também os respeitem e que jamais chegue ao extremo de ocorrer
com eles o mesmo que ocorreu com os humanos do Reinado nem que eles sejam
levados ao extremo de terem que medir forças com a raça de Tauron numa guerra.
Se os Minotauros são irmãos em músculos, os Elfos
são irmãos em mente aos Grimm. Eles amam a arte, a beleza a poesia e as formas
elevadas de demonstrar sensibilidade. Veneram a natureza acima de tudo e vivem
em perfeita harmonia com ela
Quanto aos Anões... “Eles não se conformam com
seu tamanho minúsculo por isso vivem querendo provar que são fortes para todos
que sejam maiores do que eles e se metendo em confusões com aquele seu mau-humor
irritante!”. Essa frase pode resumir bem o que os Grimm pensam dos Anões . Eles
são em sua maioria neutros em relação a eles.
Os Grimm simplesmente ADORAM os Halflings com
seus costumes alegres modo de vida simples, alegria legitima e espontânea
diante da vida e tudo mais que fazem deles aquilo que eles são como povo de Arton.
Para os Grimm “lutar” é muito fácil mas mais difícil é simplesmente estender
uma mão amiga e sorrir como os Halfings fazem de maneira legitima e verdadeira
para quem for por isso muito ao contrario dos Minotauros eles admiram
legitimamente os Halflings e dizem que é besteira isso deles serem “ a raça
mais fraca “ pois “ força” e puramente “ força” não alivia uma alma aflita e
sofredora ...Um sorriso no entanto sim...Os Grimm consideram os Halflings seus
“irmãozinhos” e farão tudo para protegê-los de qualquer perigo.
Os Grimm são Neutros com relação aos humanos. Eles
lamentam e se entristecem com o que aconteceu com eles nas Guerras Tauricas...Mas
é assim também na natureza os mais fortes e aptos derrotam e sobrepujam os mais
fracos ... Mesmo entre as criaturas filhas de Allihanna isto é uma verdade logo
por mais que lhes doa ver um povo ser escravizado eles não vão discutir a
moralidade ou não disso...
Eles como seria de se esperar não tem boas
relações com os Centauros uma vez que Cavalos são a caça favorita dos Grifos,
mas jamais atacariam um para devorá-lo. Nunca . Os Centauros são a raça que
veio antes deles e os Grimm respeitam este fato se por acaso acontecer de
ocorrer uma luta entre um Grimm e um Centauro pode ter certeza que terá sido
por causa ou de um mal-entendido ou de uma discussão acalorada que terminou em
insultos por parte de um dos dois e que o outro decidiu lavar a honra com
sangue numa luta.
Grimm JAMAIS fariam mal a um Unicórnio mesmo eles
não sendo a criatura “mais sagrada que existe” para eles, pois respeitam sua
condição de emissários de Allihanna.
Grimm acham Sprites criaturas adoráveis e
respeitam as fadas e outras criaturas servas de Allihanna.
Eles desprezam mortalmente os Goblinoides por sua
mesquinhez,
Sociedade
“Ao olhar para cima não pude acreditar no que
meus olhos viam! Centenas de casas nas arvores tão harmoniosamente mescladas a
elas que pareciam ser uma só coisa e não haviam Elfos naquela parte da
floresta.”
-Neldor, O Druida.
Os Grimm formam grandes vilas nas copas das
arvores das florestas e estas não possuem mais de 100 a 150 indivíduos, mas
existem duas grandes exceções. A primeira e maior cidade dos Grimm é a cidade
de Grivvion que fica na Cordilheira de Lannestull.A segunda é uma cidadela
secreta escondida no interior da Floresta dos Espinheiros.
Grivvion é uma cidade magnífica escavada e
entalhada na própria montanha de um modo tal que seria capaz de dar inveja ao
maior dos arquitetos Anões pela sua engenhosidade onde os Grimm habitam a
séculos vivendo na mais perfeita harmonia com os Grifos e com algumas poucas
tribos de bárbaros das montanhas que os tratam como irmãos e ajudam a manter o
segredo de sua existência. Ela possui cerca de 3000 moradores. Já a cidadela
secreta na Floresta dos Espinheiros possui cerca de 2100 habitantes vivendo na
companhia do Sumo-Sacerdote de Allihanna o Elfo Razlen Greenleaf que possui
vários discípulos iniciados desta espécie que lhe servem como mensagueiros .
As cidades são governadas por um
Rei,eleito,escolhido em um combate não letal (nada de mortes),que será o Chefe
até sua morte.Abaixo do Rei esta o Líder Espiritual da Tribo,sempre,um Druida,ou
Xamã de Allihanna.Os Grimm vivem em uma sociedade baseada na coletividade e na
igualdade onde todos desde o mais poderoso guerreiro ao mais humilde ancião são
igualmente importantes e a união faz a raça prosperar.Apesar de existir um
Rei,suas decisões visam exclusivamente o bem estar da raça como um todo e não o
autoritarismo.Todos os lideres Grimm que se mostraram tiranos foram
imediatamente depostos com desonra e seus nomes execrados da sociedade Grimm.A
raça normalmente é carnívora e se alimenta de caça porém consegue viver
igualmente bem de pescados,hortaliças frutas e legumes além de gado de rebanhos
e animais caçados.Carne de cavalos e caprinos são muito apreciadas entre os
Grimm.Os Machos Aventureiros Grimm são Guerreiros sendo esta sua Classe Favorecida
enquanto as fêmeas podem ser Magas , Druidisas,Rangers ou simplesmente cuidar
do lar e da família o que é mais comum . O tempo de vida médio de um Grimm é de
800 anos sendo que eles atingem a maturidade aos 20 e a idade adulta aos 30.
Crenças
“Megalokk abandonou sua irmã a própria sorte mas
ela,como sempre foi melhor,conseguiu provar que ele não fazia falta nenhuma...”
-Razlen Greenleaf,Grande Druida de Arton e Amigo
dos Grimm
Os Grimm são sobretudo seres da natureza.Vivem na
mais perfeita harmonia com ela a respeitam e protegem.Veneram suas criaturas
sagradas e coexistem em harmonia com suas raças irmãs.
Machos e fêmeas podem ser Druidas ou Sacerdotes
de Allihanna sua divindade principal,mas também podem igualmente ser Clérigos
de Kalmyr,Lena,Marah,Tanna-Toh,Thyatis,Tauron,Azgher,Hyninn,Nimb e Keenn sendo
que os três últimos são imensamente raros entre os Grimm.Apenas fêmeas podem
ser sacerdotisas de Tanna-Toh e Lena
De acordo com suas crenças a Natureza foi à
primeira coisa concebida pelo Nada e pelo Vazio que depois criou seus outros 19
filhos utilizando dos elementos e das obras da Deusa da Natureza que por ser
uma mãe generosa e gentil e não se importar com coisas pequenas como a vaidade
e a sede de poder e de ser reconhecida como superiora,deixou que eles
governassem o mundo em seu lugar enquanto ela apenas cuidava de sua obra
amorosamente sem pedir muito de seus filhos em troca a não ser que a amassem de
volta e protegessem sua obra demonstrando quando preciso a força imensa da
natureza.Allihanna é vista pelos Grimm como uma mulher humana lindíssima
cavalgando um Grifo Dourado ou então como um gigantesco Grifo Dourado com os
olhos tão azuis quanto o céu mais claro.
Traços
Raciais
+4 Força, +2
Sabedoria, -2 Carisma Os Grimms são
fortes e possuem bastante conhecimento da natureza que os cerca, porem são um
pouco amedrontadores pelo seu tamanho e aparência. Alem disso os Grimm são um
pouco arrogantes com criaturas menores do que ele.
Tamanho Grande: Grimms recebem -1 no Ataque, -1 na CA, -4 em Furtividade, usam armas maiores, e recebem +4 em manobras contra criaturas menores.
+4 em Percepção. Grimms possuem uma excelente visão o bônus só é valido para testes relacionados com a visão
+2 em Sobrevivência e Atletismo Grimms São acostumados a vida em ermos montanhosos. O bônus se aplica somente a esse tipo de terreno e para testes de escalada.
Armas Naturais: Ataque de Garras 1d4, e com Bico 1d6. Os Grimm possuem duas armas naturais (dano corte). Um Grimm pode atacar com o bico ou com uma das garras e uma arma na mesma rodada, mas sofre uma penalidade de –4 em todas as jogadas de ataque.
Visão na Penumbra: ignoram camuflagem (mas não camuflagem total) pela escuridão.
Voo: Um Grimm possui deslocamento básico de 9m em terra. Eles também podem voar a uma velocidade de 18m.
Idiomas: Comum e Silvestre.
Tamanho Grande: Grimms recebem -1 no Ataque, -1 na CA, -4 em Furtividade, usam armas maiores, e recebem +4 em manobras contra criaturas menores.
+4 em Percepção. Grimms possuem uma excelente visão o bônus só é valido para testes relacionados com a visão
+2 em Sobrevivência e Atletismo Grimms São acostumados a vida em ermos montanhosos. O bônus se aplica somente a esse tipo de terreno e para testes de escalada.
Armas Naturais: Ataque de Garras 1d4, e com Bico 1d6. Os Grimm possuem duas armas naturais (dano corte). Um Grimm pode atacar com o bico ou com uma das garras e uma arma na mesma rodada, mas sofre uma penalidade de –4 em todas as jogadas de ataque.
Visão na Penumbra: ignoram camuflagem (mas não camuflagem total) pela escuridão.
Voo: Um Grimm possui deslocamento básico de 9m em terra. Eles também podem voar a uma velocidade de 18m.
Idiomas: Comum e Silvestre.
Claustrofobia: Grimms são
criaturas de lugares abertos. Quando estão dentro de lugares fechados que não
possuam portas ou janelas para o exterior, no qual o Grimm possa ver a luz do
sol ou o céu azul (lua ou estrelas a
noite) um grimm sofre –4 em suas jogadas e testes. Ele também não pode realizar
nenhuma ação que dependa de concentração, como lançar magias.
Adaptação Tormenta RPG - Fernando Brauner
Autor: Alex Logan (Marcio
Guerra) do Forun Jambo. Eu ja conhecia esse trablho quando foi feito
para a lista Tormenta mas originalmente era pra 3d&t (se não me
falha a memória). Publicado sobre autorização do Autor
A
A
http://www.scribd.com/doc/6629497/Grimm-O-Povo-Dos-Homens-GrifotormentaRPG
fguerra@netspeedmg.com.br
segunda-feira, 7 de julho de 2014
Dogmas
Esse conto é baseado no mundo de RPG Tormenta e se
passa pouco depois do romance O Terceiro Deus, tendo spoilers desse romance.
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- Eu avisei que ela era uma puta – disse o elfo,
passando as mãos pelos cabelos sebosos e emaranhados. Os longos dias sendo puxado a ferros cobraram
um preço alto sobre a vaidade dele.
Os outros
encaravam com expressões mistas. Havia alguns fartos de ouvir ofensas a uma
deusa que tanto sofrera e finalmente lhes arranjara proteção. Havia quem se
incomodasse com a freqüência exagerada em que aquele prisioneiro falava. Dahlis
não se surpreendia ou se assustava com nenhum. O que mais lhe incomodava era a
falta de outros que pudessem concordar. A maioria dos desgraçados de orelha
pontuda parecia satisfeita demais com aquela situação... situação de escravos.
- É uma puta
que nos traiu – disse de novo, aproveitando que os minotauros estavam ocupados
em negociação. Aqueles monstros escravistas estavam felizes por terem encontrado tantos elfos. Foram vinte
deles de uma vez, todos reunidos apenas esperando para serem pegos. Fora
praticamente uma armadilha, uma armadilha tecida pela deusa covarde que havia
os criado.
- Fique
calado ou os minotauros vão perder a paciência... de novo – falou um elfo magro
cujas roupas, face e cabelos não estavam nem de perto tão imundos quanto os de
Dahlis.
- Você é um
resignado... um resignado. Foi você quem ajudou a convocar a reunião e é um dos
motivos de estarmos aqui agora. Pouca coisa me dá mais raiva do que você
falando como se fosse uma pessoa ainda. Se considera a si mesmo um escravo,
então fique calado e deixe quem não se rebaixa protestar.
O outro elfo
abriu a boca para deixar escapar palavras que eram ganidos de um cão chutado e
posto em seu lugar. Eram ruídos desesperados de uma ovelhinha perdida no pasto,
esperando o pastor levá-la de volta para a cerca onde se sentia segura, onde
não precisava lutar para sobreviver. Quanto mais emitia aqueles sons de piedade
e de desculpas imbecis, mais Dahlis sentia o estômago revirar com a raiva
arranhando o coração e pedindo para sair.
Saltou sobre
o resignado. Os dedos eram quase garras prontas para furar a garganta do
maldito. O outro se assustou, saltando para trás e ali ficou de olhos esbugalhados
quando Dahlis foi impedido pelas correntes. O ferro frio arranhou a pele do
elfo enfurecido e o chamou de volta para o mundo.
Sentou-se
assim como todos os outros elfos. Olhou o recinto de teto alto; uma criança ria
para os desenhos nas pedras do chão. Os minotauros observavam. Alguns pareciam
rir, observando o modo como cada vez mais os filhos de Glórienn, criadora dos
elfos, se entregavam e apreciavam a proteção dos novos mestres, os filhos de
Tauron, divindade da força.
- Minha alma
não tem preço – soltou Dahlis, com palavras fracas.
- Ela não
está sendo vendida, Dahlis. Sua alma
sempre pertenceu à Deusa Mãe e tudo o que ela fez foi encontrar alguém para
protegê-lo.
Olhos
afiados feito adagas apontaram para o elfo.
- É isso o
que os pais fazem. Eles protegem os filhos e usam os recursos que podem, mesmo
quando os filhos ingratos não conseguem entender qual o melhor caminho.
Dahlis olhou
para os grilhões. Aquele nunca seria o melhor caminho e, não importava o que
lhe dissessem, a alma que carregava dentro de seu corpo há mais de sessenta
anos, tão pouco para um elfo, era sua e de mais ninguém. Se um dia quisesse
usá-la para esfregar o chão de uma favela goblin, ele o faria, mas seria por
vontade própria, não por causa de uma porcaria de deusa que desistia dos filhos
e da vida por covardia. Não porque estava cercado de gente de coração e fé
falida.
“Eu vou
fugir”.
O pensamento
cortou a mente de Dahlis acompanhado de sangue de minotauros e elfos. Só
enxergou o vermelho, independente de qual raça fosse. Ninguém que representasse
ou quisesse sua escravidão continuaria vivo.
====
O dever
deles era seguir Glórienn. Eram os paladinos de sua fé, a máxima graça em
questões de morte e guerra. A grande benção em matéria de espada e arco. Carregavam
o peso de proteger uma raça sem pátria e sem orgulho, depois de terem falhado
em proteger um povo com terras demais e humildade de menos. Conviviam com um
peso que enxergavam mais como uma penitência do que como benção divina.
- Precisamos
decidir – afirmou Remeneh, um elfo alto que tinha cabelos pontiagudos como
pequenos punhais azuis apontando para o céu. Seus olhos anis esperavam a
decisão do restante dos guerreiros.
- Ainda não
estão todos aqui – avisou Aetis, de braços cruzados. Encostado na árvore, era o
único que não tomara lugar no centro da clareira. Observava o restante dos
Espadas de Glórienn.
Não havia
muitos por quem esperar. A elite de guerreiros da deusa dos elfos era pequena
naqueles dias. Ali na clareira, debaixo do sol, estavam vinte e três deles e
não sabiam onde estavam os outros. Nos dias conturbados da Queda do Orgulho,
quando a deusa havia se entregado à proteção do deus dos minotauros, muitos dos
Nitfahglorienn haviam desaparecido. A confusão tomara boa parte deles e nem de
seu grande comandante havia sinal.
- Precisamos
decidir e faremos isso agora. Sabemos bem que não existem muitos de nós. Quem
não foi morto na Guerra, pereceu caçando os shimay. A tarefa de proteger nossos
irmãos recai sobre o ombro de poucos e isso só aumenta nossa glória...
- Pare com o
discurso, Remeneh.
A voz de
Aetis era machado cortando a árvore que crescia frondosa. Antes que os frutos
da inspiração tocassem os corações dos outros, ele adiantou-se. Não queria
ouvir a proposta indecente que estava preste a soar. Não passara anos
derramando o próprio sangue e cumprindo votos para agora se tornar escravo.
Chorara, matara e assassinara em nome de um povo que amava e ver essas pessoas
se entregando era o mesmo que pedir para morrer.
Os outros guerreiros
olharam-no e abriram espaço, convidando mais uma vez para que tomasse seu lugar
no círculo. Não quis. Aquilo era deixar que o tecido de seda da proposta
começasse a amarrar seus punhos e a água imunda da escravidão enferrujasse sua
espada.
- Tome seu
lugar no círculo. Todos os Nitfahglorienn têm direito de falar, mas devem estar
no círculo.
- Não. Sei o
que pretende falar e é uma proposta que nem deveria entrar em discussão.
O vento foi
o único falante, conversando com as árvores e tendo folhas farfalhantes em
resposta. Nenhum dos elfos disse nada enquanto dois de seus guerreiros mais
importantes se olhavam.
Aetis sacou
a espada e ficou no chão. Que a terra fosse testemunha de seu posicionamento.
Daquela lâmina não passaria, mas não falou nada. Foi Remeneh quem continuou.
- Não é uma
proposta. É o desejo da Deusa Mãe e não há desejo dela que não cumpramos. A
deusa respira e respiramos junto. Falta-lhe ar e nós esvaziamos nossos peitos
para que ela respire.
Aetis riu.
Riu sem graça. Riu mortificado. Riu como se anzóis puxassem seus lábios e
Hyninn lhe pintasse uma máscara de palhaço.
- Tudo isso
é uma poesia para você, não é, Remeneh? Você é um guerreiro poeta. Passa os
dias tecendo palavras sobre a espada e as batalhas. Falta-lhe apenas escrever
com sangue os pergaminhos.
- Não é
poesia que eu digo. É oração que a deusa dos ensina. Há um novo modo de
proteger nosso povo.
- Não há
modo que não seja o suor e o sangue! – gritou o elfo. A cicatriz que tinha na
bochecha ficou aparente. O vento levou os cabelos avermelhados. O sol fez os
olhos dourados brilharem.
- Não existe
nenhum caminho que não seja a deusa, Aetis. Se quiser tomar modos de proteger
nosso povo sem que ela tenha lhe indicado, é melhor que se junte aos shimay...
Ou... faça o que realmente deve ser feito.
Todos os
elfos olharam para a adaga na cintura de Aetis. Os Espadas de Glórienn tinham
três armas principais em seu artefato. A primeira era a espada, cheia de honra.
A segunda era o arco, coberto de glória. A terceira era a adaga, para se
certificar que honra e glória sempre seriam mantidas. Só se deixava de ser um
Nitfahglorienn morrendo, pelas próprias mãos ou pelas dos outros. Pelo menos
metade dos elfos ali haviam caminhado para a clareira e tomado seu lugar no círculo
pensando na adaga que tinham na cintura, mas ninguém ainda havia falado sobre a
arma. Era um assunto que circulava no ar que respiravam, mas não tomava forma
na língua.
Aetis baixou
os olhos, mas não em direção à adaga. Observava a espada. Seus suspiros eram
cortados pela lâmina e pelas histórias de batalha em que a banhara tantas vezes
com sangue em prol de seu povo. Nunca falhara com nenhum voto, nenhuma palavra.
Nunca duvidara de Glórienn.
- Esse é o
maior sacrifício que podemos fazer para nosso povo, Aetis. Todos nos tornamos
Nitfahglorienn para servir e assim provamos como serviremos.
- Esse não é
o caminho certo.
- Se não o
considera o caminho correto, então use a adaga – apontou Remeneh. Os elfos
colocaram as mãos nas costas e olharam para Aetis. Vagarosamente, deixaram a
posição do círculo e formaram filas, tomando posição militar para assistirem ao
suicídio ritual.
- Minha
eternidade se resume a amar aquela que me agraciou com um único motivo nobre
para morrer. Que um suspiro de amor seja minha última prece à Única Senhora dos
Elfos – recitou Remeneh e os outros repetiram.
- Minha
morte é doce perante a eterna vida dos meus irmãos. Que eles vivam para
perpetuarem a fé por quem amo e prezo acima de tudo. Que eles vivam para que eu
seja lembrado como filho da maior das graças entre tudo o que é considerado
divino – falou um outro elfo, citando o segundo lema dos Espadas de Glórienn.
- A verdade
está nas palavras desse servo da Deusa Mãe assim como graça divina abençoa meu
sangue através da minha fé – falou um terceiro.
Recitaram os
lemas de suas vidas e repetiram várias vezes, continuando a ladainha. As
palavras entravam na mente de Aetis fazendo as memórias arderem. A vergonha
agitava-se, mostrando que negava cada um dos conceitos pelos quais lutara e
estivera disposto a morrer. Pegou a adaga e olhou a lâmina prateada. Passou os
dedos pelo punho trabalhado, em especial pelos nomes de seus parentes talhados.
Suspirou e apertou a arma, levando-a ao peito. Os lemas continuavam a ser
repetidos.
O elfo
fechou os olhos e passou os dedos pelo fio frio da lâmina. Sentiu o sangue escorrer.
Passou-o pelo rosto, sentindo o vermelho que vinha de dentro de si e que era
fruto de uma deusa que se escravizara. Tomou então uma atitude que só poderia
ser reconhecida entre seus irmãos como loucura. Cortou as pontas das próprias
orelhas e ali, sangrando, apontou a adaga para Remeneh.
- Não morro
por isso. Não morro! Morra você por uma deusa que há anos exige de você e agora
te toma tudo.
Arremessou o
objeto. Remeneh olhou boquiaberto e esperou a morte, mas naqueles breves
segundos, algo brilhou dentro dele, algo que não brilhava há décadas. Era a
retribuição da fé e dali veio a rapidez que lhe permitiu sacar a espada e
defender um golpe certeiro de um dos melhores guerreiros que Glórienn ainda
tinha. A adaga caiu aos pés de outro elfo. Um pouco do sangue espirrou nas
botas.
====
Era um
mercado aberto e improvisado. Devido à quantidade de elfos que chegavam a
Tapista, o reino dos minotauros, agora não se usavam mais somente os mercados
oficiais. Negociações prévias eram realizadas fora da capital e das grandes
cidades para que nada ficasse saturado. Dahlis sabia que era hora de fugir. Não
haveria outra chance tão cedo.
Os escravos
estavam acorrentados a grandes pinos fincados no chão. Poucos deles estavam
soltos. Alguns mais dóceis haviam se entregado cedo e um deles até conseguira
uma boa posição como servo ao entregar um plano de escapada. Isso rendera a
Dahlis cicatrizes de chibatadas nas costas. Agora chegava a pensar se preferia
ficar para matar o desgraçado delator vagarosamente ou fugir.
Negou o
pensamento de assassinato. O ódio que fervia dentro dele ainda podia ser
controlado. Coçou o nariz e olhou para os minotauros passando para verificar a
mercadoria. Mexeram em cada elfo, dando uma atenção especial para as marcas no
rosto. Quando mais limpo melhor. Dahlis vomitou quando uma mão peluda o fez
abrir a boca e mostrar os dentes. O comprador deu dois passos para trás,
horrorizado com os cascos sujos.
- Elfo
maldito – berrou o minotauro vendedor, batendo com força e repetidas vezes, até
Dahlis mergulhar na benção da inconsciência, único modo em que se sentia livre
daqueles problemas.
Acordou
sabendo que havia apanhado por sujar um cliente e por não ser mais uma boa
venda. Seu preço baixaria por causa daquilo e suas chances de fugir também.
Agora estava acorrentado sozinho dentro da caixa escura onde ficavam os mais
indóceis dos elfos. Aqueles que ainda precisavam aprender sobre a humildade da
escravidão.
====
- Impossível
– disse um, virando e esse mesmo percebeu que ao mesmo tempo que não conseguia
acreditar na defesa do golpe, não achava que as orelhas cortadas de Aetis
fossem tanta loucura. De costas, deu alguns passos na direção do elfo que
sangrava. Sacou sua adaga e jogou no chão.
- Magia! –
gritou Aetis.
- Milagre –
respondeu Remeneh.
- É a
escolha certa – falou um dos guerreiros com olhos sedentos por mais um milagre.
O que
apareceu em seguida poderia até ser um sinal, mas na verdade era parte de toda
uma preparação. Um elfo saiu do meio das árvores e atrás deles vinham seis
figuras enormes, cujos chifres davam voltas; os machados e espadas brilhavam em
suas mãos. O elfo carregava símbolos sagrados no peito e uma coleira no
pescoço.
- Somos
servos e como servos vocês também serão bem-vindos – disse o sacerdote de
Glórienn.
Boa parte
dos guerreiros estava surpresa, mas Remeneh, cuja decisão era mais do que
ferrenha, adiantou-se para o sacerdote e os minotauros.
- Segue-se
um deus por dogmas e pelo exemplo. Poucos podem servir como nós servimos – falou,
ajoelhando-se. Diante de todos os elfos, um dos minotauros se adiantou. Sacou
uma coleira de metal com símbolos de Tauron e Glórienn. Foi com cuidado que
colocou-a em volta do pescoço de Remeneh. O elfo se levantou com um rosto
sério. – Cumpram seus votos e me sigam.
De pé, agora
tinha a espada na mão e ela brilhava com a luz que se apagara nas lâminas de
todos os Nitfahglorienn há algumas décadas. Os outros começaram a andar em
direção as coleiras. Aetis observava perplexo.
- Isso é um
embuste. Não é um milagre – gritou.
Remeneh não
respondeu. Só deu dois passos de lado para que o próximo elfo recebesse a
coleira. Alguns deles ganharam grilhões com pequenos pedaços de correntes.
Somente sete ficaram parados, incapazes de concordar com o pecado de se
entregar a própria liberdade. Não havia deus que valesse aquilo.
- Vão
recusar? – perguntou Remeneh. Os outros fizeram que sim. – Então usem suas
adagas e provem suas dignidades.
- Não usem –
gritou Aetis, arrancando a espada do chão e se adiantando na frente dos outros.
O sangue escorria das orelhas para o pescoço, manchando roupa e armadura.
- A lei dita
que quem não morre pela própria adaga, morre pelo arco ou pela espada – falou
Remeneh.
As palavras serviram de ordem para que os outros
sacassem lâminas e flechas. Os minotauros observavam decepcionados. Eram oito
escravos que perderiam por causa da estupidez élfica.
Aetis sabia que iriam morrer, mas caminhou para
frente com a espada na mão com a certeza de que era mais justo morrer por sua
liberdade do que ser escravizado por causa de uma deusa. Viu os outros elfos de
coleira e os minotauros de braços cruzados. Não havia como vencer, só havia
como morrer livre e com honra.
- Vamos morrer livres, irmãos – bradou Aetis.
- Mesmo? E para onde vão depois da morte? Ficar
aprisionados no inferno de Ragnar? Entregar-se à Tormenta? – perguntou Remeneh,
olhando de soslaio para o sacerdote ao lado.
As mãos de Aetis tremeram como nunca ocorrera em sua
vida de guerreiro. Não havia mais a certeza da recompensa após a morte. Fechou
os olhos e pensou. Os minotauros moveram as bocas bovinas com o que parecia um
sorriso. O lucro aumentaria. Os elfos revoltados se entregariam.
- Escravidão aqui e na pós-vida? Melhor sofrer pelas
mãos de Ragnar, assim pelo menos eu sei que estarei sofrendo por um bom motivo
– falou Aetis. Então ele tomou uma atitude que nenhum Espada de Glórienn
tomaria, nenhum elfo de fé. Ele levantou a espada para os antigos companheiros
de luta e correu para bater sua lâmina opaca contra o metal brilhante dos
outros. Mais elfos gritaram atrás dele e avançaram. Os outros se posicionaram
para lutar... mas tudo ficou escuro e tudo que ouviram foram três estampidos,
dois gritos de dor de elfos e um de um minotauro. Corpos foram ao chão e os
elfos pararam.
====
Aetis piscou uma, duas, três vezes. Tentou
raciocinar e conter o medo de esmagava o coração. Respirou profundamente o ar
gelado que tomou o lugar da brisa. Trevas. Aquilo eram as mais puras trevas.
- Fechar círculo. Preparar espadas e milagres –
gritou para os companheiros. Assim eles sentiram as costas um dos outros se
tocarem. No meio, um dos guerreiros sacou um bastão de luz. Os raios brancos
lutaram contra as trevas, transformando a redoma de escuridão em uma penumbra
maldita em que os gritos de dor e o sangue de elfos preenchia o espaço.
- Shimay? – perguntou inseguro um dos elfos. Era
jovem e ainda sem marcas das lutas. Nunca vira um elfo negro na vida, mas as
histórias de como matavam os guerreiros sagrados de Glórienn o deixavam
arrepiado.
A primeira sombra surgiu da terra. Um buraco se
abriu e a criatura saltou em um rodopio mágico para o meio dos minotauros.
Outro deles surgiu do alto das trevas, sobre os chifres de um dos monstros.
Adagas partiram das mãos dos dois, acertando pescoço e olhos, arrancando sangue
e visão. Nem bem tocaram o chão, correram como demônios, ainda arremessando as
armas. As lâminas acertaram dois elfos com golpes precisos antes que Remeneh
conseguissem juntá-los. Nem bem formaram o círculo de defesa, uma arma ainda
mais mortal se juntou à chacina. Mais estampidos, pequenas explosões na
penumbra. Ninguém viu os projéteis, mas eles voaram partindo o ar,
interrompendo a luz. Tocaram um elfo na testa e arrebentaram osso e cérebro,
derrubando-o antes que sentisse de onde vinha a ameaça.
Aetis não sabia quem atacar. Esperava pelos shimay,
mas nenhum dos elfos negros tomava uma atitude em relação a ele, não até um
deles parar a seu lado. Os cabelos negros e a face pálida só não assustaram mais
que os olhos de trevas que o fitaram. Deu um sorriso leve, com aquele sinal de
angústia que era tão característico quanto as cores pretas.
- Não salvamos ninguém que não queira ser salvo.
Tome uma atitude – falou o elfo negro, envolto em mantos escuros. A voz dele
era um sussurro, mas caía sobre os ouvidos como martelo. Cortava como alabarda.
- Senhor? – perguntou aquele elfo jovem, nervoso e
com as mãos suadas.
- A escolha é de cada um de vocês. Não temos mais
deusa.
Eles levantaram as armas e então lâmina élfica
derrubou sangue élfico na terra já manchada de lágrimas e morte. Os gritos
torturados de vítimas e algozes não vinham só da pele rompida pelo aço frio,
mas pelo rompimento de um acordo de fé. Eles se mataram até a luz começar a
reaparecer. As trevas cediam para que o sol mostrasse a vergonha de irmãos se
matando.
- Fujam – gritou um dos elfos negros, saltando para
a terra e desaparecendo como se atravessasse lama.
Os outros, ensangüentados, feridos no corpo, na alma
ou em ambos, hesitaram. Aetis saltou para a terra, sem pensar se encontraria
terreno tão sólido quanto as conseqüências de suas decisões. Mas tudo se abriu
para que ele e os companheiros passassem.
====
O calor e a umidade foram as primeiras sensações que
teve, depois foi o sangue que escorria pelo cabo de sua espada. Caiu de joelhos
com ombros e cabeça baixa. Estava escuro demais para que visse a arma. Diante
dele, o aço molhado em sangue era uma acusação. Ao lado, os companheiros
tentavam reaver a respiração.
- Aquele foi um milagre de Glórienn? – perguntou um
deles.
- Que a morte deles tenha sido breve e eterna para
que nenhum deus nos acuse de falta de nobreza – sussurrou um, apegando-se a um
antigo ditado élfico em um momento em que se alma começava a se desprender dos
costumes antigos.
Aetis não conseguiu enxergá-los no escuro. Tateou o
chão sentido pedra e terra. Perguntou-se se era seu destino agora viver na
escuridão. Teve medo de que a luz surgisse do nada para que todos vissem que
seus cabelos e olhos haviam se tornado negros como o dos outros shimay. Teria a
marca dos renegados, renegados que, por fim, estavam certos? Assustou-se quando
uma luz leve transformou as trevas em penumbra. Os elfos negros os cercavam.
Eram seis deles, observando de braços cruzados, sem
armas a vista. Pôde reconhecer três deles com armaduras leves. Os cabelos
longos e as marcas no rosto demonstravam que eram a elite guerreira, Garras de
Tenebra. Chamavam a si mesmos de Bryr´Niantharen como descobrira. Termos
antigos que a sociedade élfica abandonara quase quando pisara pela primeira vez
no continente.
- Teremos que nos tornar shimay? – perguntou um dos
companheiros.
Aetis o observou. Era o mais jovem. Tentou buscar
pelo nome dele na mente, mas esquivava-se a cada busca na memória. Juntara-se
ao grupo não havia nem duas semanas e já era obrigado a enfrentar uma situação
que só se comparava com a queda do reino élfico.
- Não. Não forçamos ninguém, garoto – disse o elfo
de mantos negros, adiantando-se. Coçou o queixo e respirou profundamente,
observando a situação lamentável dos outros. Fez sinal para uma elfa com duas
lâminas circulares penduradas na cintura. Tinha um broche prateado em forma de
um arco quebrado prendendo a capa. Marcas de uma expressão raivosa estavam
nítidas no rosto. Ela se adiantou e verificou ferimentos, curando quem
precisasse.
- Vocês nos salvaram por que renegamos a escravidão?
Não significa que por causa disso vamos louvar Tenebra. Não vamos orar para
ela! Eu não vou – falou um dos guerreiros. – Somos renegados, mas não somos
como vocês. Os votos que quebramos não são como os que vocês fizeram...
Os elfos negros continuaram ouvindo a ladainha.
Aetis ficou quieto, deixando que o elfo falasse e os outros o acompanhassem às
vezes. Precisavam extravasar seus pensamentos, falar sobre as difíceis escolhas
que haviam tomado. A necessidade de se justificarem os corroeria se não o
fizessem. Os shimay devem ter compreendido, pois apenas observaram. A elfa
sacerdotisa continuou os curando calada, só olhando mais nervosa diante de
alguns comentários mais ofensivos.
Quando os elfos esgotaram as forças e a boca secou,
Aetis manteve silêncio. Não queria se justificar aos elfos negros, mas agora os
entendia um pouco e queria saber mais sobre a condição que enfrentavam. Será
que eles ainda seriam renegados? Párias? Quem teria esse título agora que a
deusa se entregara à escravidão e seus sacerdotes gritavam exasperados presos
em seus sonhos. Acordavam com recordações de almas sofrendo em nome da covardia
de Glórienn e não encontravam justificativas para o comportamento da Mãe Única
e Eterna.
- O sacerdote que entregou as coleiras tem feito o
mesmo nas últimas semanas. Foi ele quem espalhou a idéia dos conselhos para
decidirem se os elfos se entregariam à escravidão ou não – falou o elfo de
manto.
Aetis notou as tatuagens negras no rosto dele.
Símbolos arcanos marcavam os cantos da face, começando pelo queixo, estendendo
em forma de serpentes pela mandíbula, subindo como runas élficas pelas têmporas
até se juntarem na testa, onde terminavam com um círculo negro. Continuou o
olhando até que a revelação finalmente foi processada. Um sacerdote de Glórienn
estava entregando os elfos à escravidão.
- Mentira – foi a primeira palavra que disse desde
que chegaram. Dois dos Bryr´Nyantharen se olharam como gêmeos de guerra. A
sacerdotisa fitou o mago e balançou a cabeça. – Você pode ter salvado nossas
vidas, mas isso não significa que vamos acreditar em tudo o que diz. Nem seus
nomes sabemos.
- Khessarel – apresentou-se o mago. Nenhum dos outros
se deu ao trabalho de dizer nada. – Não estou aqui para mentir para vocês. Não
tenho razão para uma mentira. Se há algo que você pode ter certeza é de que
nenhum elfo negro mente sobre a vergonha de seu passado muito menos para trazer
outros para o difícil caminho que percorremos.
- Então por que está aqui? – falou Aetis, agora se
levantando. Só depois de tanto tempo percebera que ainda estava de joelhos.
Aquela não era uma posição para conversar. Os outros o imitaram. Sacou um lenço
da cintura e um odre da cintura. Molhou o tecido e limpou o sangue já coagulado
nas mãos.
- A situação mudou. Tudo o que prevíamos aconteceu.
A Mãe Moribunda fracassou e agora leva muitos dos nossos para o fracasso. Na
escravidão não existe salvação, guerreiro. Estamos tentando salvar muitos dos
seus, mas existem muitos mais almas moribundas do que elfos despertos que
possam ajudar na libertação. E nem sempre vocês querem nos ouvir.
- Quer nossa ajuda para evitarmos a captura dos
outros? – perguntou Aetis. Os outros se animaram com a proposta.
- Sim – respondeu Khessarel.
- Pretende levar todos para as trevas?
- Não. Apenas quem quiser nos acompanhará.
- Mas continuaremos sendo inimigos. Vocês odeiam
quem não os seguem.
- Não é o caso de odiar. Muitos de nós odeiam sim,
como é o caso de Kelena, aqui ao meu lado, mas o sentimento mais comum é o de
pena e todo elfo negro sabe que criaturas dignas de pena não são dignas de
viver, são menos que a terra em que pisamos. A entrega da Mãe Moribunda ao Deus
Touro também nos afetou, guerreiro. Tivemos que fazer escolhas e nossos planos
já começaram. Se quiserem nos acompanhar, serão bem vindos.
Aetis estendeu a mão para o mago. Sentiu o aperto
forte da mão tatuada do outro.
- Meu nome é Aetis nih Sarntir.
=====
Dahlis nunca poderia ter sido vendido para um dos
ricos minotauros da capital. Seu futuro era servir bem longe dali, fazendo nada
mais do que se humilhar para um dos duros senhores do campo. Compartilhava seu
trabalho com mais seis elfos, sete humanos e dois halflings. Desses, somente os
elfos faziam o trabalho com felicidade nos olhos. Os outros exerciam as tarefas
do dia a dia com afinco para não desagradar os mestres. Faziam um trabalho bem
feito e minucioso sem se entregar à felicidade da servidão.
Seu senhor era um minotauro de pêlo amarelado, com o
focinho já esbranquiçado pela velhice. Os chifres eram grandes e retorcidos, um
deles lascado por batalhas antigas. Enriquecera em aventuras e agora vivia para
vender os frutos de suas terras. O casarão abrigava dezesseis escravos, mas lá
fora, nas plantações, havia muitos outros exercendo o trabalho sob o chicote
dos minotauros.
Os dias eram uma tortura só menor do que o momento
do culto, quando o sacerdote de Tauron fazia os rituais de submissão. Todos se
ajoelhavam diante da estatura do Deus Touro, minotauros ou escravos. Depois que
os senhores se levantavam, cada servo passava diante deles e se ajoelhava,
demonstrando a submissão.
- Malditos desgraçados – falava Dahlis antes de se
ajoelhar. Um dia cuspiu nos cascos de um dos minotauros e gritou ofensas.
Perdeu dois dentes e ganhou mais algumas cicatrizes de chibatadas. Infelizmente
não lhe concederam o prazer da morte. Continuaria a ser escravo, para provar
algo ainda pior.
- Ela chegou! Ela chegou! – falou um dos elfos. Era
o pior deles. Saíra correndo da vila élfica de Valkaria tão logo soubera da
proteção dos minotauros. Entregara-se e agora era o chefe dos escravos dentre
do casarão, coordenando e avaliando enquanto passava os dedos pela coleira de
ouro.
Dahlis pensou que fosse mais alguma escrava, talvez
uma amante do elfo. Foi pior do que isso. Todos os elfos foram para um pequeno
quarto e lá estava uma estátua de Glórienn feita em mármore. Tinha as mãos acorrentadas
estendidas ao pescoço. Os dedos tocavam uma coleira com o símbolo de Tauron. O
sorriso agradecido no rosto dava nojo.
- Vamos orar – falou o chefe dos escravos.
Dahlis encostou-se à parede, zonzo com a visão. Era
um choque forte demais que fizera até outros elfos entregarem as últimas
esperanças e se ajoelharem. Ele chorou diante da visão e também caiu ao chão.
Dedos passaram em seus cabelos e falaram com carinho para que se erguesse para
orar. Levantou os olhos, viu os elfos e depois olhou para a porta. Um humano e
um halfling estavam lá. Foi o ápice da humilhação ver o olhar de desprezo na
face daquelas raças inferiores.
====
A noite havia chegado há muito, mas Aetis não podia
afirmar quanto tempo se passara desde o pôr-do-sol. Passar tanto tempo andando
sob a terra o deixara desconectado com o ciclo do mundo. Ainda havia o
pensamento pesado de que estava pecando ao andar na companhia dos shimay. Os
outros guerreiros seguiam falando pouco, seguindo-os pela mata, subindo o morro
tentando não deixar os ombros caídos e a cabeça baixa. Pelo menos dois deles
haviam tentado falar com os elfos negros, mas apenas Khessarel e um outro
estavam abertos a conversação. A sacerdotisa Kelena mantinha-se mais afastada
com os Bryr´Niantharen, andando como sombras do grupo. Às vezes Aetis não
conseguia enxergar nenhum deles nas sombras.
O elfo que andava junto com Khessarel era Rhyer´Dyh
Profanador da Guerra. Era um jovem com as marcas negras dos shimay, mas com
pequenas cicatrizes de queimadura no rosto e nas mãos. Carregava consigo
estranhas armas na cintura e nas costas. Claro que deveria empunhar lâminas,
mas o que estava exposto eram os canos estranhos, dois curtos presos nos cintos
e um longo nas costas.
Aetis esteve curioso para perguntar o que era
aquilo, mas o assunto se enveredou por outros caminhos, na maioria das vezes
discussões sobre as batalhas contra a Tormenta e como o mundo estava mudando.
Pararam de falar somente quando chegaram ao alto do morro. Enxergaram o
acampamento dos escravistas logo abaixo, ao lado de um rio curto e calmo.
- Nosso objetivo é libertar quem quiser ser
libertado. Não desperdicem sua fúria matando os minotauros nem argumentando.
Soltem os grilhões e ajudem quem se mover. Matem quem os impedir.
- Não pretendo matar outros elfos a não ser que
sejamos agredidos – disse Aetis, olhando para os outros. Somente dois dos
guerreiros não assentiram com a mesma determinação. Um deles era o jovem.
Nelup... Finalmente se lembrara do nome.
Khessarel deu um suspiro e se voltou aos outros
shimay. Conversaram em sussurros e abraçaram-se. Kelena beijou um por um na
testa e desejou que as trevas os ocultassem dos males provocados pelos ímpios e
moribundos. Os Bryr´Niantharen bateram forte com os punhos fechados contra o
peito. Rhyer´Dyh os acompanhou no gesto, mas ao contrário de pegar em lâminas,
sacou o cano maior das costas e tratou de limpá-lo. Colocou alguma coisa na
entrada, próximo à empunhadura e ali remexeu.
O mago se aproximou mais uma vez de Aetis. Mexeu em
alguns bolsos no meio dos mantos e emitiu um sorriso frouxo. A sacerdotisa
estava ao lado dele.
- As noites são sempre mais belas quando anunciamos
que vamos matar em nome de Niantharen – falou Kelena. Os shimay sempre usavam o
nome antigo de Tenebra, deusa das trevas. A Senhora Obscura dos Condenados, Mãe
Negra, Protetora dos Pecadores eram nomes para a senhora da escuridão tão
antigos e esquecidos quanto os motivos de os elfos terem pisado no continente.
- Eu não pretendo louvar essa deusa das trevas. Nem
pense que vou homenageá-la com minha fé – falou Aetis.
O sorriso continuou no rosto do mago.
- Nem deveria. Nós também não louvamos Tenebra,
Aetis. Alguns de nós até que aceitaram a fé dela, mas o que enxergamos em
Tenebra é uma protetora, não uma deusa. Temos um pacto com ela; sua proteção
por nossas ações. Já fizemos muito pela Mãe Negra. Já sujamos de tanto sangue
nossas mãos que o que corre em nossas veias hoje deve ser tão negro quanto
nossos olhos. Mas ao menos nós vivemos e não choramos dia após dia.
Aetis começou a pensar naquilo, mas sacou as espadas
e chamou os outros para cercá-lo. Era o momento do plano. Khessarel já havia
discutido a situação com eles. Seria uma entrada rápida para confundir os
minotauros. Sob a magia do mago, os antigos Espadas de Glórienn começaram a
marchar. Correram pelo campo rumo aos inimigos. Estavam agora sob o céu
noturno, sem árvores para ocultá-los. Somente a magia impedia que mais de
trinta minotauros saltassem sobre eles com machados e espadas.
A maioria dos inimigos estava sob as tendas brancas.
Cerca de dez deles vigiavam do lado de fora, alguns conversando em volta das
fogueiras, outros fazendo um círculo em volta do acampamento, ao lado de
grandes tochas. Esses últimos ficavam eretos com lanças firmes nas mãos
peludas. Avaliavam o ambiente despreocupados, mas cientes de seu dever. Aetis
levou seus elfos até a dupla mais afastada do rio.
Todos estavam nervosos, não só pelo poderio do
inimigo, mas pela ação que tomavam. Espadas de Glórienn não eram assassinos.
Treinavam para combater o inimigo frente a frente, vencer com honra e glória,
sem subterfúgios. Quando Nelup se aproximou o suficiente do primeiro minotauro,
Aetis deu o sinal. O jovem elfo adiantou-se com a espada. A magia de
ocultamento se quebrou com a agressividade do ataque e então um minotauro
surpreso enxergou a morte como um vulto e só pode ter certeza do que enfrentava
quando a lâmina já despedaçava seus intestinos. Estava para gritar quando outro
elfo atravessou sua garganta com uma flecha.
A outra sentinela também não teve tempo de dar o
sinal de alerta. As flechas fincaram-se no pescoço largo, abaixo dos chifres
grandes, em um dos olhos. Aetis encerrou a vida da criatura com a espada
enfiada no coração. Precisou de toda sua força para impedir que o corpo do
minotauro caísse em um baque só. Mesmo assim, alguém deve ter ouvido algum
barulho. Logo três outros haviam saído de uma das tendas com machados nas mãos.
As flechas élficas zuniram na noite para despedaçar mais do couro e vazar o sangue
dos guerreiros de Tauron. Os cortes das espadas os detiveram, mas já era tarde
demais. Os minotauros começavam a ficar alerta.
- Avancem – ordenou Aetis. Fez sinal para dois dos
guerreiros cobrirem a rota de fuga. Viu o elfo negro Rhyer´Dyh na borda do acampamento.
Apontava o cano longo na direção dos elfos. Então, apertou algo na empunhadura
da arma estranha. Aetis queria ver a magia que sairia dali, mas não viu a bala
rodopiar no ar, passando por cada um de seus guerreiros. Juraria mais tarde que
sentira o ar esfriar quando o projétil passou por ele. Ao olhar para frente, já
havia um buraco na testa de um dos minotauros que avançavam para o meio dos
elfos.
- Matem! Matem! – gritou Aetis com ódio. Queria
saber por que estava odiando tanto, mas não havia tempo para filosofia no meio
da luta.
Evadiu-se de um machado e o viu fincar-se na terra.
O minotauro usou o escudo para defender a lâmina élfica. Levantou a arma pesada
de novo, levando pedaços de terra e grama. Empurrou o elfo com o escudo,
ganhando espaço para um novo golpe. Aetis esquivou-se pela segunda vez, agora
se dobrando e girando o tronco. Estendeu o braço para enfiar a espada entre as
placas da armadura do inimigo.
O inimigo não se abalou com a dor. O sangramento era
nítido, entretanto a criatura mantinha os cascos firmes no solo e voltava a
atacar. Desceu a arma em mais um arco mortal. Qualquer tentativa de aparar o
golpe quebraria os braços de Aetis, mas o elfo fora treinado para usar
velocidade e acabar com oponentes mais fortes. Tanto fazia se era goblinóide ou
minotauro. Mesmo que os últimos estivessem longe da barbárie dos primeiros,
eram monstros, nem mais nem menos. Eram aberrações que pretendiam dominar a
glória dos elfos. E Aetis saltou rodopiando e evitando a arma mais uma vez. Contra-atacou
com uma investida. Fintou, escapando da proteção do escudo, evitou que o
minotauro acertasse seu rosto com o cabo do machado e então subiu a espada,
atravessando a jugular. A criatura mugiu de um modo tão patético que Aetis se
lembrou dos abatedouros que visitara na infância. Teria rido da cena se não
estivesse acostumado a enxergar a morte com frieza e não com prazer.
Nem bem o minotauro tombou, sentiu o sangue espirrar
em seu rosto. Não era sangue inimigo. Era de um dos companheiros. Viu o elfo ainda
caindo, jogado a um metro de distância com o rosto deformado pelo impacto de
uma maça. Aetis olhou para o monstro que o matara. Era um minotauro de pêlos
pretos usando maça e espada.
- Matem com glória! – gritou o minotauro. Não queria
escravos. Queria apenas se livrar da peste que os atacava. Aos pés dele, um
outro elfo jazia. Os outros tentavam se reorganizar quando Rhyer´Dyh avançou.
O shimay tinha agora uma das armas de cano curto.
Mais tarde Aetis aprenderia a chamar aquilo de pistola e veria que era incomum
que tivessem cristais negros na empunhadura e uma grande lâmina abaixo no cano.
Na outra mão, o elfo carregava uma espada curta. Saltou para o meio dos
minotauros, defendendo um golpe de espada, esquivando-se de um segundo. O
terceiro golpe foi conduzido pela pistola. A lâmina encaixou-se na espada de um
dos inimigos e começou a desenhar um arco diante do rosto do minotauro. No meio
do caminho, Rhyer´Dyh apertou o gatilho. Não fez nenhum barulho, só emitiu um
cheiro de enxofre e fagulhas amareladas quando a bala de cristal foi
impulsionada pelo cano, cortou o ar, atravessou o crânio do minotauro e foi
desaparecer no céu.
Rhyer´Dyh abaixou-se, escapando de outro ataque,
depois saltou para trás para evitar um dos dois minotauros que o cercavam.
Passou por cima do inimigo que acabara de matar e disparou o gatilho mais uma
vez. Essa bala passou pelo olho do monstro. Bateu os pés no chão e avançou
contra o último. Era o minotauro com a maça e a espada.
Aetis não quis ficar parado. Saltou junto com o
shimay contra aquele monstro negro. Obrigou-o a defender um golpe. O oponente
precisou de toda sua habilidade para usar a maça para aparar a espada de
Rhyer´Dyh, mas já não havia braços para impedir que a baioneta fosse enfiada
entre suas costelas. Aetis finalizou e olhou em volta para avaliar o cenário.
- Onde estão os outros shimay? – perguntou
agressivamente ao ver que eram agora só cinco elfos e os minotauros continuavam
chegando. Sentia o cheiro de traição.
- Estão libertando os outros. Deve haver minotauros
lá também – respondeu Rhyer´Dyh, colocando a pistola da cintura e sacando a
segunda. Apontou para um minotauro e o derrubou com um tiro preciso.
- Mas o que é isso?
- É a profanação de todas as honrarias da guerra.
Vamos continuar matando ou acha que os chifrudos vão ficar só mugindo pra
gente?
Agora os minotauros eram muitos. Aetis via apenas
que seria suicídio ao enfrentar oponentes como aqueles. Outro de seus
companheiros caiu trespassado por uma lança. Agora eram cinco elfos e um shimay
cujas armas ele não conhecia e não participaria de nenhum ataque coordenado.
Não daria certo.
- Vamos recuar. – Apontou para dois dos elfos com um
comando especial. Os dois recuaram. Rhyer´Dyh foi junto com eles, o que deixou
Aetis de olhos arregalados e com mais certeza de que morreria, talvez antes que
pudesse começar a executar seu plano. – Nelup e Maiec, defender e recuar.
====
Khessarel entrou na tenda levantando devagar o
tecido que barrava a entrada. Olhou para quase cinqüenta elfos acorrentados.
Era o maior número que encontraram até agora e talvez finalmente pudessem
cumprir seu intento.
Havia somente cinco minotauros vigiando, todos com
olhares cobiçosos para fortuna que seu chefe conseguiria com todos aqueles
escravos. As armas brilharam sob os lampiões e os elfos se remexeram.
- Salvem-nos – gritou um, mas o cabo de uma lança
batendo no rosto o silenciou. Outro se levantou depressa, tentando atacar, mas
as correntes o prenderam. Mais uma vez a lança atacou.
- Mais escravos – disse um dos minotauros, notando a
sacerdotisa Kelana logo atrás do mago.
- Acho que nem precisaremos dos outros aqui – disse
Khessarel. Pegou duas adagas negras debaixo dos mantos e lançou para os elfos.
Os minotauros olharam atrapalhados para o gesto,
parando por um segundo. Um deles observou os olhares espantados dos
prisioneiros para o chão. Andou até ali e bateu com a pata no local. Não sentiu
nada além da grama batida sob o casco.
- Existem duas liberdades que vocês podem conseguir.
Uma é para essas correntes e a outra para o vazio de ser abandonado por uma mãe
de espírito quebrado. Só se consegue as duas opções com o sangue de quem não
quer nenhum das duas.
Um dos minotauros deu um grito de guerra e avançou
durante as palavras de Khessarel. Kelana agiu sem a necessidade de ordens.
Tinha nas mãos uma espada e uma lâmina circular. Abaixou-se sob o machado
voador de um minotauro, estendendo a espada para cortar o tendão do oponente.
Em meio ao sangue e à dor, a criatura começou a tombar. Kelana movia-se em
ritmo de morte, com as figuras a matar lentas diante de seus olhos. A arma
circular, o aji, rasgou o pescoço do minotauro.
- Obrigado, Kelana. Odeio ser interrompido – disse o
mago, com um chifre do minotauro quase tocando seus pés. Seu próximo gesto foi
retirar carne e seda negra dos bolsos. Com o material na palma esquerda, mexeu
com os dedos diante do rosto enquanto apontava a mão direita aberta para um
inimigo. Fechou os dedos depressa. Um minotauro paralisou-se, colocou a mão no
peito. Os olhos ficaram vazios e um filete de sangue escorreu pelo focinho. A
morte o encontrou com o peito aberto e o coração feito fatias.
Outro minotauro caiu sob o aji e a espada de Kelana.
Dos dois que sobraram, um não precisou daqueles dois shimay para morrer. Um
elfo se jogou sob seus pés durante a carga. Caído, sentiu dezenas de mãos o
segurando e socando. Era forte e foi a socos e coices que começou a sair do
meio das criaturas. O peito ardia pela humilhação de ter sido tocado por
escravos. Gritou impropérios e fez juras de guerra e aí a chama de fúria
desapareceu com a primeira pontada fria nas costas. Não conseguiu compreender.
Outras vezes o frio entrou em seu corpo. Os joelhos bateram no chão. Alguém
enfiou um dedo em seu olho, arrancando metade da órbita. Outro enfiou a lança
em sua virilha. Tombou cheio de furos.
O último minotauro se viu cercado de elfos com as
mais variadas reações. Mexia-se como cão acuado diante de criaturas que até o
momento eram suas vítimas.
- Vamos deixá-lo vivo e talvez eles nos perdoem.
Eles disseram que eram misericordiosos – falou uma elfa de cabelos dourados.
- Cale-se, sua vadia! Cale-se! Foi culpa sua eu ter
ido lá, culpa sua! – falou uma outra elfa muito parecida, mas com um semblante
de juventude que somente outros elfos podiam notar. Ela tinha uma das adagas
escuras na mão. No meio de toda a gritaria, ela atacou. A arma foi enfiada três
vezes na carne tenra e o sangue brotou da pele branca com vontade súbita de
escapar para o ambiente. A elfa loira olhou incrédula para a outra, mais ainda
quando viu as algemas abrindo-se como milagre.
Khessarel bateu palmas. Tanto os elfos quanto os
minotauros o observavam.
- São as escolhas mais árduas que definem quem somos
e ninguém é livre nesses tempos sem que as mãos fiquem calejadas por torcer o
próprio destino – falou. – Os minotauros entrarão em breve aqui. Temos pouco
tempo. Quem quiser abrir os grilhões do corpo e da alma, que use as adagas.
Quem quiser só romper as correntes do corpo, procurem a chave nesse minotauro
ainda vivo.
====
Maiec retirou o arco das costas e correu para trás.
Nelup e Aetis deram passos mais curtos e começaram a defender-se dos primeiros
golpes, até as flechas do outro elfo voarem. Os minotauros começaram a preparar
os escudos e finalmente acionaram sua defesa típica. A parede de escudos se
formara. O ataque rápido dos elfos e a confiança de que ninguém investiria
contra um acampamento de pelo menos trinta deles havia os deixado pouco
preparados para uma defesa conjunta.
Nelup passou correndo por Maiec retirando o arco das
costas e preparando uma flecha. Agora apenas Aetis portava a espada. Uma flecha
passou por ele quando corria. Era Nelup que provavelmente atingira apenas os
escudos dos minotauros. A cada momento um elfo parava e disparava, cobrindo a
retirada. Os minotauros avançaram um pouco mais lentamente, até começarem a
preparar uma carga. Foi o momento preciso em que os outros dois elfos e
Rhyer´Dyh atacaram pelos flancos. Flechas e balas perfuraram as laterais e as
costas dos inimigos. Protestaram contra o subterfúgio com ofensas e berros
indignados e pelo menos um ajoelhou-se ferido demais.
A parede de escudos transformou-se em um triângulo,
mas já era tarde demais. Os Bryr´Niantharen apareceram. Dos treze minotauros
que formavam a defesa compacta, três caíram no primeiro ataque e outros dois
sucumbiram nem um minuto depois. Os guerreiros shimay dançavam entre os
monstros, misturados em sombras e rasgando o pêlo dos oponentes com espadas
frias e escurecidas pela energia das trevas. Rhyer´Dyh pegara mais uma vez o
rifle e recomeçava seus tiros. Dois tiros tinham um intervalo muito maior do
que duas flechas, mas eles atravessavam armadura como se fosse papel com uma
precisão de mestres arcanos do arco.
Aetis e os outros também faziam chover flechas nos
minotauros. Não temiam acertar os Bryr´Niantharen. Elfos arqueiros deveriam
saber muito bem como matar inimigos sem acertar aliados durante a confusão de
um combate. Sem isso, não eram mais do que crianças brincando de guerra.
De repente, o número de flechas diminuiu. Aetis
olhou curioso para o lado. Maiec deixara o arco cair e segurava o pescoço
atravessado. O sangue escorria pelo buraco gerado pela haste de madeira. Aetis
não viu o companheiro tombar, mas olhou para a fonte do ataque. Das sombras
vinham os elfos com coleira. Os Espadas de Glórienn eram conduzidos por
minotauros e traziam consigo outros elfos acorrentados, esses sem armas, apenas
meros cativos.
- Precisamos de cobertura! – gritou.
Os Bryr´Niantharen continuavam sua dança mortal;
coube aos outros elfos e Rhyer´Dyh dispararem contra os Espadas de Glórienn.
Remeneh tomou a dianteira, avançando pelo campo sem temer flechas ou bala. Nada
o tocou até que sua espada bateu contra a de Aetis.
- Fuja, Nelup – gritou Aetis, defendendo-se.
- Entreguem-se e cumpram seu dever sagrado. Matem-se
– berrava Remeneh.
Nelup recuou, obedecendo as ordens e se juntando aos
outros. Aetis ficou para lutar e morrer se isso fosse necessário. O ódio que
sentira no início do combate estava aceso novamente. Ele entendia bem porque
tinha tanta raiva. Precisava de culpados para tudo o que ocorrera obviamente.
Mas havia mais do que isso. Matar os monstros era mostrar que sua espada ainda
servia para dissipar do mundo todas as aberrações que ameaçavam a perfeição dos
elfos. Matar seus irmãos de espada era mostrar que não estava errado, que aqueles
captores, viciados em uma deusa enlouquecida e acovardada, eram os verdadeiros
vilões. Todo Espada de Glórienn que deixasse de ser um guerreiro sagrado
deveria se matar ou ser morto por seus pares. Não havia volta nesse trabalho. E
escravizar elfos não era um voto a ser seguido. Não era proteção. Era covardia.
- Fanáticos! Covardes! – acusou Aetis, aparando os
golpes de Remeneh.
- Covardia é não se entregar à vontade da Deusa Mãe
por temer perder algo intangível como a liberdade, Aetis – falou Remeneh,
afastando-se alguns passos quando uma flecha de Nelup quase o acertou. –
Liberdade é uma ilusão. Como os elfos aproveitaram a liberdade depois da queda
do reino? Choraram e pediram esmolas. Agora seremos amparados.
Aetis balançou a cabeça, negando a sucessão de
bobagens. Cuspiu diante dos pés do outro elfo e atacou.
- Não vou permitir que continue com essa loucura!
O barulho das espadas se chocando quase suprimia o
som do protesto. Os outros inimigos continuavam se aproximando. Um deles pulou
o corpo de Maiec. A espada por pouco não levou metade do braço de Aetis. Foi a
escuridão quem o salvou. De repente, já atravessava um corredor escuro em que
dedos sombrios raspavam sua pele e vozes sedosas pediam para que ficasse. A luz
voltou de novo e ele já estava distante de Remeneh, junto aos shimay, mas agora
não havia apenas seis deles. Quase não conseguiu contá-los sob a fraca luz da
lua. As tochas distantes do acampamento não ajudavam, mas diante dele, pelo
menos dez outros elfos de cabelos escuros e mãos sujas de sangue estavam de pé.
Aetis só pôde tomar uma conclusão do ocorrido:
- Vocês mataram os outros...
- Não – respondeu Khessarel. Os dedos do mago
dispararam em movimento quando os minotauros começaram a atravessar o campo. As
trevas tomaram o chão e delas saltou a morte. Espectros vieram do solo,
arrancando grandes pedaços de carne e pedindo por mais. Morderam até os
minotauros caírem e continuaram a devorá-los vivos. Eram mordidas frias,
isentas de sangue. Esvaíam-se a vida e a alma pelas feridas enegrecidas. O
espírito escapava como o ar e a essência vital se transformava em vermes que
deixavam depressa o corpo em forma de moscas e larvas.
Sete minotauros e três elfos estavam caídos diante
de olhares estarrecidos. A magia era uma profanação da vida. Era claro que
nenhum daqueles seres encontraria seu paraíso, tendo a alma sido desfeita em
pedaços que nunca mais seriam reconstituídos. O sacerdote élfico do outro lado
vomitou. Os minotauros protestaram com sons terríveis como urros de dragões.
- Elfos não são escravos! Nós somos a lâmina e vocês
a carne. Nós somos a flecha e vocês o coração – gritou Kelana, a shimay
sacerdotisa. Apontava um arco para os inimigos e soltava flechas escurecidas
pelos milagres da deusa das trevas. Pelo menos uma delas atravessou um dos
guerreiros de Remeneh no coração. Ela continuou disparando até Khessarel tocar
em seu braço. Lançou-lhe um olhar violento, mas a desobediência não estava em
seu sangue. Baixou o arco e soltou as últimas palavras. – Isso não acaba aqui!
- Chega de poesia e bravatas. Elfos negros matam,
não gritam.
Os inimigos estavam parados do outro lado, temendo
atravessar o campo de trevas. Um dos minotauros balançou o sacerdote de
Glórienn exigindo algo, mas o pobre elfo agitava a cabeça impotente. Aetis
teria continuado observando eternamente se Nelup não o chamasse. Só então
percebeu que havia outros elfos sem as marcas negras dos shimay que o
esperavam.
- Eles não querem seguir Niantharen e muito menos a
Mãe Escrava.
- Nós vamos lutar como não lutamos antes – gritou um
dos elfos, balançando os braços para o outro lado do campo.
- Chega de lamento – falou outro, querendo buscar
forças nas próprias palavras.
Aetis começou a andar na frente, clamando terreno.
====
O amanhecer estava muito próximo. Os shimay
olhavam-se com questões nos olhos negros. Aetis via mais dúvidas quanto ao
futuro próximo do que quanto a seu novo destino. Nenhum deles ainda limpara-se
do sangue em suas mãos. Eram apenas magia que se fora tão logo o perigo
passara.
Rhyer´Dyh aproximou-se, passando entre as árvores
das florestas e vendo os elfos se lavarem em um pequeno córrego. Alguns deles
estavam sentados em grupos, cochichando. Eram em número maior do que o de
shimay libertos e a dúvida e o medo eram muito maiores que a quantidade de
filhos de Glórienn.
- Nós vamos partir. Nossos caminhos se separam aqui
– falou o shimay, estendendo a mão.
Aetis olhou para o outro pensativo.
- Não seremos mais inimigos?
Rhyer´Dyh deu de ombros. Apoiou uma das mãos em uma
pistola e suspirou.
- Tempos difíceis, não é?
- Muito difíceis, mas ao menos agora vocês entendem
porque não queríamos mais aquela deusa de espírito quebrado. Vocês mesmos já a
chamam de Mãe Escrava, Deusa Acovardada.
Foi a vez de Aetis suspirar. Era mesmo uma deusa
quebrada como os elfos negros haviam avisado e poucos haviam ouvido. Só que
agora, muitos prestariam atenção à mensagem e quem não o fizesse, seria um
exemplo dolorido da verdade, fosse como escravo, fosse como cadáver.
Os shimay se foram com a noite. O amanhecer alcançou
elfos cansados e preocupados. Aetis sentiu um peso árduo nos ombros quando
percebeu que havia mais de vinte vidas sob sua guarda. Esfregou o rosto,
imaginando se sua antiga deusa não havia caído por piedade de si mesma diante
de uma cena como aquela. Não emularia a Mãe Escrava. Era hora de ser forte.
Faria ao contrário dela e traria outros para sua causa. O único preço que
estava disposto a pagar pela liberdade era sua própria vida.
====
Os elfos que
haviam acabado de chegar contaram diversas histórias sobre a viagem até ali.
Dahlis ouviu cada uma, antes que os minotauros aparecessem para silenciá-los
por falar sobre liberdade. Para contribuir com o silêncio, o elfo da coleira
dourada levava todos para o culto da Deusa Salvadora, a Senhora das Escolhas
Difíceis. Ali os elfos se entregavam à servidão e calavam-se, esquecendo-se do
banho de sangue sob a tenda, quando elfos negros apareceram e ofereceram a
liberdade.
- Liberdade
é pecado. Servidão é privilégio – falavam depois de deixar a sala da estátua de
mármore.
Dahlis não
entrava mais lá. Executava suas tarefas e pensava nas histórias, fantasiando
com elfos ou elfos negros aparecendo para matar os minotauros e salvá-lo. Mal
falava com os outros depois que não tinham mais histórias de fuga para contar.
Foi só com um deles que trocou palavras, um elfo machucado, de olhares
indecisos com quem precisou de mais de uma semana de esforço para arrancar a
palavra liberdade da boca.
- Eles
fizeram a oferta, mas eu tive medo demais para recusar. Eu não podia
simplesmente matar, Dahlis. E eles
seguiam Tenebra. Quem pode acreditar em quem segue a deusa das trevas? São
mentirosos por natureza – falou enquanto comiam na varanda, observando os
outros escravos trabalharem no terreno adiante.
Os minotauros observavam o momento de descanso dos
elfos, o que fez Dahlis tremer de medo, pois o colega acabara de retirar uma
adaga negra de dentro dos trapos que vestia. Nenhum dos captores fez mais do
que um olhar curioso na direção deles.
- Ao menos isso é verdade. Nenhum minotauro pode ver
ou tocar a faca. Só os elfos. Só os elfos.
Surpreso e cheio de medo, Dahlis colocou a arma
depressa entre as roupas. Ao contrário do outro elfo, já tinha permissão para
andar com vestimentas melhores devido ao trabalho bem feito e por não causar
mais problemas.
- Mas quem vai usar isso? Sangrar um dos nossos por
uma promessa? Vai orar para quem? Falaram que Berforam nos salvaria. O Alma
Negra traria mesmo liberdade? Eu duvido.
- Mas eles libertaram os outros?
- Sim. Não conte a mais ninguém isso. Essa faca me
dá esperança e às vezes me pego orando para que Berforam me salve. Vou deixá-la
com você para evitar a tentação e as falsas esperanças.
As tochas estavam sendo acesas quando Dahlis
encontrou o sacerdote. Ele andava junto com o elfo da coleira dourada. Sorriram
juntos ao vê-lo e o chefe dos escravos estendeu o braço o apresentando.
- Esse é Dahlis. Ele não participa dos cultos e se
recusa a crer na proteção da deusa.
- Eu me lembro de seu rosto, Dahlis. Você estava em
um dos nossos círculos – falou.
Sim, ele estivera no círculo. Foi lá que os
minotauros pegaram os elfos de surpresa e os levaram. Pelo menos três dezenas
deles foram pegas e três guerreiros mortos.
- Vamos conversar, Dahlis – falou o sacerdote,
começando a caminhar.
O escravo o
acompanhou, vendo a coleira de prata com o arco e a espada envoltos em uma
corrente. O brilho nos olhos dele era de um fanatismo intenso, de quem não
enxerga nada além dos desígnios da fé e distorce o mundo em prol disso.
- Não tenho o que falar – disse Dahlis, vendo que o
outro elfo ficara para trás sorrindo.
Viraram em um corredor em que uma elfa limpava o
chão. O sacerdote falava sobre os benefícios e a importância de seguir as duras
provações da vida.
- Isso não foi nem de longe tão difícil para você
quanto para a deusa. Imagina o que é um deus se submeter à escravidão. Tudo por
causa de seus filhos. Ela fez tudo por nossa causa. Se sacrificou por nós.
Dahlis não acreditava nisso. Para ele, a deusa fora
covarde. Entregara-se somente porque as circunstâncias a fizeram fazer isso.
Não havia como evitar aquele destino sem uma coragem pungente que a fizesse
erguer as armas e lutar, algo que seu povo encararia com mais decência e pelo
qual daria sua vida.
- Entregue-se à verdade e ao sacrifício, Dahlis.
Você é um filho de Glórienn e essa é a única alternativa que não é pecado. Seja
um renascido de Glórienn e aceite que esse é o nosso destino.
Dahllis olhou para o sacerdote. Baixou a cabeça e
avistou a elfa limpando o chão duro onde batiam os cascos dos minotauros. Eram
animais, os mesmos animais que os elfos criavam em pastos e currais antes da
queda do reino. Não eram mais do que bois com vozes e agora precisava limpar o
estrume deles. Precisava cuidar do esterco daquelas criaturas.
- Não! – gritou, sacando a adaga negra. O sacerdote
viu assustado sua barriga ser furada uma, duas, três, quatro vezes. Caiu em
poça de sangue com Dahlils de joelho a seu lado. O elfo segurava com firmeza a
adaga sangrenta e chorava. – Berforam. Berforam... – sussurrava, com a elfa
olhando estarrecida. Tudo ficou escuro.
A elfa ouviu vozes. Alguma coisa estava acontecendo
na escuridão. Alguém procurava por inimigos, mas tudo desapareceu e só restava
sangue, cadáver e adaga no chão sujo. Minotauros e escravos corriam para o
local. Assustada, pegou a adaga e escondeu dentro do balde. Começou a gritar
nervosa pedindo por socorro; dentro de si ela orava. Orava para ter forças para
chamar pelas trevas. Chamava pelo último nome que Dahlis pronunciara, um nome
que ela diria a outros, mesmo que a maioria negasse ou não acreditasse.