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quarta-feira, 23 de maio de 2018

Uma Piada de Mau Gosto

     August observou incrédulo o resultado do massacre. Era início de noite naquele descampado silencioso. Por todos os lados, corpos de civis de todas as idades e raças. Desarmados. Um terrível genocídio. A primeira impressão que teve é que muitos dos camponeses tinham a pele inchada e rocheada. Desceu do cavalo, espada em punho, lanterna na outra mão, se aproximou e agachou perto de um dos civis massacrados. A tês do civil estava de fato rocheada e inchada, uma terrível morte por algumas costelas quebradas e um sufocamento por fumaça, da queima de carvão mineral, provavelmente. Estava coberto de fuligem preta. Levantando a lanterna, viu várias pegadas, gigantescas, que quebraram a vegetação rasteira e compactaram a grama na terra. No meio de alguns desses rastros, civis e soldados, esmagados. Todos com fuligem - sangue misturado a fuligem.
Mais a frente, gente carbonizada. Uma explosão súbita de fogo carbonizou instântaneamente tudo no raio de uns dez metros. Alguns, mais próximos ao centro da explosão, eram apenas tições deformados fixos, de pé em posições estranhas, pegos sem defesa, com os braços à frente do rosto numa expressão de terror apenas evidenciada pela boca escancarada, travada nessa posição pelo fogo que deixou suas faces negras e sem pele, apenas músculos, dentes e ossos aparentes.
Caminhou mais alguns metros, lentamente, analisando cada cena com atenção. "Provavelmente essas pessoas vieram de um povoado próximo, tentaram fugir e foram pegas por algo enorme. Havia algo soltando fogo pelas ventas também..."

Um gemido.

Mais alguns metros adiante, na direção de um freixo, August ouviu um gemido baixo, pedindo por ajuda. August rapidamente caminhou em direção a origem do som, lanterna erguida a frente, encontrando uma mulher ferida gravemente, perna quebrada, joelho esquerdo virado em um ângulo impossível. A face suja - tinha uns trinta anos - tinha sangue seco vindo de um corte na testa, que descia pelas têmporas e ao lado direito do nariz fino, embolando os cabelos curtos, negros e lisos, a pele morena, um dos olhos inchados e o outro verde arregalado em súplica. A boca rachada murmurava e gemia baixo: "Água... água..."
August embainhou a espada colocou a lanterna no chão e sacou o cantil, colocando um pouco de água na mão em concha, e levou a boca da mulher, fazendo-a sorver lentamente. "Eu já volto" disse olhando a mulher no único olho aberto, que virava para os lados desesperadamente. Trouxe o cavalo mais para perto, pegou a maleta de intrumentos e pôs-se a examiná-la.
Primeiro examinou cuidadosamente a cabeça e o pescoço: o corte na testa, provavelmente provocado por um golpe de espada que pegou de raspão, um galo bem grande na parte esquerda mais anterior da cabeça, quase na nuca, uma grande bolsa de sangue acumulado no edema do olho direito. Mais abaixo, o tórax com um rasgo que ia da altura do umbigo, passando por baixo do seio esquerdo, a armadura de couro inutilizada. Levantando uma parte da armadura, na região do estômago, uma grande hematoma, provocada por um golpe contundente, provavelmente um pisão, quando a mulher já estava no chão. Nenhuma costela quebrada - menos mal. Os braços abaixados, dois dedos quebrados na mão direita, um grande inchaço no cotovelo esquerdo. Mais abaixo, a perna direita estava inteira e a esquerda, fratura simples acima do joelho, deixando a perna em um ângulo de trinta graus em relação a coxa. August segurou a mão da mulher, "Vou lhe dar um anestésico e começarei a tratar suas feridas". Passou uma sombra de desconfiança no olhar da mulher, e em seguida meneou levemente a cabeça. "Não se preocupe, é apenas para aliviar sua dor, você vai ficar acordada pois com esse galo enorme, se você dormir, pode não acordar mais e por todo o meu trabalho por água abaixo. Bom, mas antes" - August se levantou - "vamos ver o que tem nessa bolsinha aqui que você fez mensão de olhar o tempo todo".
A mulher arregalou o único olho aberto, ao ver que o homem pegou sua algibeira que estava a uns quatro metros de sua mão direita para olhar. "Hmmm... interessante! Correspondência... oficial... ah... de Yuden?" - August olhou para a mulher, rompendo o lacre e desdobrando a folha - "Ah, então você é uma Purista!"
A mulher impotente sem conseguir se mover direito se encheu de medo, antecipando torturas terríveis...

"Tudo bem, querida. Eu não vou te torturar, nem pretendo te matar." - a mulher piscou o único olho aberto - "Eu vou tratá-la, e quem decide se você vive, ou não, depois que estiver curada, é você. Por enquanto você é minha paciente. Vou te tratar e garantir que viva, mas esta mensagem..." - August dobrou o papel, abriu a lanterna e o colocou lá dentro, tirando quando começou a pegar fogo - "... não vai chegar ao seu destino!"
A mulher fez uma expressão de "não!" enquanto a mesangem queimava, e depois se conformou. "Qual o seu nome, querida? Eu me chamo August, ao seu dispôr." A mulher encarou o homem branco, de feições fortes, cabelos negros, curtos e desgrenhados, e queixo quadrado, os olhos negros e vivos à luz da lanterna: "Meu nome é Amele". August pegou uma seringa e um frasco com líquido amarelado. "Então, minha cara, você irá viver, mas talvez fique cocha. Eu não vou lhe entregar às autoridades Bielefeldianas, porque não creio que fanáticos religiosos possam te julgar em nome de alguma alucinação chamada 'deus'. Eu aconselho que você, nos próximos dois ou três dias, reflita sobre sua filosofia fascista de vida, reveja suas prioridades e esteja ciente que, está em território inimigo e que provavelmente..." - coloca um dedo no lugar, com uma expressão de dor com o olho arregalado de Amele - "... não poderá..." coloca o outro dedo no lugar, um grito com dentes serrados da mulher "... voltar a lutar com a mesma desenvoltura, e que é um enorme desperdício que uma mulher tão bela..." subitamente pára de falar, arregala os olhos, olha para trás de Amele e aponta: "Oh não! O que é aquilo!" Amele olha para trás. Estalo. Grito.

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