De Gorendil se enchergam as Uivantes |
Gorendill entre os anos de 1398 e 1402... (Adendo de Fernando Brauner)
Conto criado por Rafael Albuquerque
Gorendill era um lugar calmo. Pelo menos quando eu pensei em vir para cá. Viver como um pescador, mais um, às margens do Rio dos Deuses era uma forma, eficaz ou não, de relaxar. Relaxar e esquecer. Tentar relaxar e esquecer. Mas para minha surpresa, Gorendill não se mostrou tão calma assim.
A cidade cresceu muito nos últimos tempos, especialmente depois que Guss Nossin dissolvera o conselho da cidade. Ela prosperou, se desenvolveu. Virou uma grande cidade, como diversas outras espalhadas pelo continente. E pelo visto, atraiu também grandes figurões dessas mesmas grandes cidades.
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Aquele homem exerce um certo fascínio nas pessoas quando passa, e acreditem, isso não é de hoje. Acho que quando nasceu, os deuses escolheram o carisma como seu maior atributo. Ele adentra em meu território como se estivesse em sua própria casa. O pior é que realmente não poderia reprimi-lo por isso. Foram anos, juntos e separados, servindo ao Reinado. Servindo à justiça, servindo à lei. Servindo ao Rei.
- - Oi, Dredd!...
Eu não havia dito? Ele se sentia em casa. Agora iria dizer que ouviu sobre minha nova vida, mas não acreditou.
- - Juro que não levei muito a sério quando ouvi dizer que você havia se tornado um pescador!...
Ele fez de propósito. Ele sabia que eu saberia o que ele iria dizer. Sempre foi assim. Um a frente do outro. É exatamente por isso que ele se sentia em casa.
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- - Não se sente sozinho aqui, Dredd?
A verdade? Talvez eu realmente me sentisse sozinho ali, mas não iria admitir naquele momento.
- - Talvez!... Mas eu prefiro assim mesmo!
- - Jura? Não sente falta de nada aqui?
- - Eu tenho o nada aqui! E ao invés de ficar dando voltas, por que não diz logo que quer minha ajuda pra alguma coisa, "Senhor líder do Protetorado"?
Arkam sorriu. Ele é outro que nunca soube quem estava a frente de quem.
- - Já ouviu as novidades sobre a Tormenta?
- - Se eu já ouvi? Nobre guerreiro, eu ESTIVE lá!
O tom de voz havia aumentado. É sempre assim quando me fazem falar sobre a maldita Tormenta. E me irritava ainda mais quando Arkam tentava me consolar:
- - Eu sei, Dredd! Eu sei! E sinto muito por tudo o que você passou e ainda deve passar!
- - Você sente muito? Ah, agora sim!...
- - Mas você ainda é um herói! E não pode recusar um pedido de ajuda! Ainda mais para ajudar o Reinado!
- "O Reinado"! "O Reinado"! Grandes m...
- - Você foi grande, Dredd! Não desperdice o talento que recebeu dos deuses! O Imperador-Rei e o Protetorado precisam de sua ajuda! Eles precisam de você!
- - O Rei precisa de mim? Jura? E o que você quer que eu faça? Quer que eu coloque um brasão no peito e me orgulhe por fazer parte de uma elite egocêntrica e hipócrita, como é toda essa elite real? Eu estou com quarenta e dois anos, Arkam! Quarenta e dois! Entrei no Protetorado quando você era um bebê! E sabe o que eu ganhei em troca?
Arkam abaixou a cabeça. Ele sabia o que eu iria dizer.
- - Nada! Absolutamente nada! O Reinado não se importa com sobreviventes! Só a Academia Arcana, por questões próprias, para poderem "brincar" de experiências bizarras! Não me leve a mal, Arkam, mas não acredito que Thormy se importe comigo a ponto de enviar você para me convencer do contrário!
Arkam continuou com a cabeça baixa, pois sabia que teria de admitir o que para ambos era óbvio:
- - Está certo!... Eu admito!... EU preciso de você! O Protetorado está estático diante de uma ameaça que ele não está acostumado a enfrentar! Os demônios da Tormenta, eles...
Eu fiz uma expressão de incomodado. A simples menção do assunto Tormenta sempre me deixava extremamente agitado. Arkam sabia disso, e talvez não me incomodasse se não fosse de extrema importância o fato. E a situação era realmente alarmante.
- - Eu preciso que você comande operações contra os demônios da Tormenta!
Eu olhei para ele durante longos segundos, próximos de um minuto. Juro. Era como se não acreditasse no que acabara de escutar.
- - Escuta, Arkam,... você por acaso anda bem com sua sanidade? Eu te digo: eu não! Eu perdi um pouco a minha, sabe por quê? Sim, você sabe! Você sabe o que eu vou dizer não é? Mas eu vou dizer assim mesmo!...
Me exaltei. Ali já falava com uma expressão de rancor, raiva, firmeza, e frustração:
- - Você não sabe Arkam, com toda sua experiência, o que é adentrar um cenário macabro, que perturba a mente a ponto de ferir a alma! Você não imagina, o que é se deparar com grupos de três, quatro, cinco demônios que a sanidade humana se recusa a acreditar que são reais! Ver uma podridão de vermelho sangue e metal enferrujado, misturados a arquiteturas que lembram ossos retorcidos! Você não sabe o que é estar no Inferno! Nenhum desses aventureiros novatos que me torram a paciência sabem! As Montanhas Sanguinárias, o Deserto da Perdição, a ilha de Galrasia, nada disso é perigo perto de se estar realmente no Inferno! E é isso que a Tormenta é!
Mesmo sabendo que era inútil, Arkam tentou se justificar. Afinal, ele havia visto meu estado logo após aquela catástrofe. Alguns chegaram a dizer que eu jamais iria me recuperar. E o pior é que de uma forma ou de outra, talvez essas pessoas tivessem razão.
- - Eu gostaria de poder...
- - Você não pode nada, Arkam! Aliás, você só pode o que o "Senhor Rei" mandar! Às vezes eu tenho nojo de ter sido assim também! Sabe o que mais, Arkam? Você não sabe o que é ver o Inferno tomar uma a uma, cada vida de sua equipe! Pessoas que esperavam de você uma solução, mas cujas instruções não receberam, porque você corria como um bicho tentando fugir de um predador para sobreviver, deixando amigos pra trás! E o pior é estar vivo para ouvir isso!
- - Dredd, eu vou te falar como antigo companheiro: se pudesse, eu anularia o passado, para não te ver desse jeito, amigo, mas eu realmente não posso! O fato é que se você nada pôde fazer antes, agora você pode! Pode fazer com que as pessoas que morreram naquele dia, o tenham feito por alguma coisa!
Eu parei para escutar. Talvez aquela tenha sido a primeira vez nos últimos tempos, em que havia parado para escutar alguém.
- - Os demônios de Tormenta vão avançar sobre nós, e precisamos detê-los enquanto ainda é tempo! Você os conhece, sabe de seus poderes, e é um grande combatente!
- - Nada que você não tenha dentro do Protetorado!
- - É verdade! De material humano para combate, eu tenho os melhores comigo! E existem realmente alguns outros sobreviventes, mas a maioria louca demais para poder ajudar! Além do mais, eu não vim procurá-lo por sua habilidade em combate, mas por sua fabulosa perícia investigativa!
- - E no que isso iria ajudar? Por acaso você quer caçar demônios dentro de uma área de Tormenta? É só entrar lá que eles o recebem de braços abertos!
- - O problema, Dredd, é que os demônios estão agindo fora das áreas de Tormenta!...
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Uma vila de pescadores geralmente é um lugar calmo. As pessoas se conhecem e se relacionam o tempo todo. Muitas vezes, dependem até desses relacionamentos para conseguirem sobreviver. São pessoas simples e alegres. E essa simplicidade que os faz comentarem e espalharem rapidamente a notícia da visita de um lendário a outro antigo herói.
- - Shinobis? Isso parece coisa de tamuraniano!
- - É outro nome para "ninja"! Esses demônios são peritos na arte da furtividade! Eles estão obtendo sucesso na eliminação de estudiosos da Tormenta! Talude já nos está pedindo proteção para alguns membros e alunos da Academia Arcana!
- - E vocês já o fizeram?
- - Sim! E nossa testemunha foi morta embaixo das barbas de alguns dos meus melhores homens, sem que eles nem mesmo entendessem de onde partiu o ataque!
- - Sério? Imagina se a população descobre que o Protetorado está incapacitado no meio disso tudo! Seria uma... tormenta, não?
- - É por isso que eu preciso de você, Dredd! Você pode caça-los, e ensinar outros a fazê-lo! O Reinado dará o que você quiser, dinheiro, homens, estabelecimentos, assistência para sua família em Valkaria! O que você quiser!
Eu, naquele momento, refleti. Realmente pagaria qualquer preço pelo bem-estar de minha família, mas no caso, era um preço alto demais. Arkam sabia disso. E para apelar tanto assim, era porque estava realmente desesperado por minha ajuda.
- - Não sei, Arkam!... Eu realmente pensei em me aposentar e viver como um pescador! Esquecer o passado! Por isso, não me seduz nenhuma dessas suas promessa materiais!...
- - Eu sei, velho amigo, é por isso que estou apelando para o seu senso de honra! Eu sei que você possui essa desvantagem, que no entanto eu encaro como positiva! No fundo dessa parede, existe um ser humano! Um oficial da lei que sabe de suas responsabilidades perante a sociedade artoniana!
Arkam seguiu em direção a seu cavalo, e eu o acompanhei, como antigos companheiros. Eu queria dizer alguma coisa para fechar o diálogo, uma frase de efeito que o líder do protetorado não imaginasse que pudesse dizer, mas era impossível. Um sempre estava a frente do outro. E foi pensando dessa forma, que vi o guerreiro do braço metálico montar em seu cavalo e se despedir dizendo:
- - À propósito, Carolina já está mesmo se tornando uma mocinha! Ela me mandou dizer que está com saudades do pai, mas para você tomar um banho antes de ir visita-la! Sabe como é, não? Para tirar esse cheiro de peixe horrível!
Eu ri. Naquele momento, eu voltei a sorrir. Desde minha tormenta que não fazia isso.
- ... Certo! Pode deixar, meu amigo! Até... qualquer dia! - Eu misturava emoções pela primeira vez em muito tempo.
E só eu posso dizer como foi horrível observar quando aquele maldito puxou as rédeas de sua montaria, fazendo seu cavalo erguer-se, e partir Gorendill à fora, enquanto gritava:
- - Até breve! Até breve, comandante Murdock!
Comandante Murdock. Há tempos ninguém me chamava assim. Arkam não é um líder à toa. Ele sabe mexer com as pessoas. Afinal, tem carisma como um de seus maiores atributos. Por essa eu, Dredd Murdock, não esperava. Não soube o que dizer e tive de engolir que pela primeira vez em toda história de nossas vidas, um esteve a frente do outro.
O maldito sabia que esse dia chegaria.
E o pior é que disso, eu já sabia.
Obrigado por terem postado essas informações e pelo diálogo também, serviram para uma crônica em Arton!
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