sábado, 16 de março de 2019

Preludio de Arton X II O CAVALEIRO E O VELHO

- A partida hoje está bastante equilibrada. – disse o cavaleiro de armadura de um lado do tabuleiro.
- Somente para seus olhos, meu caro. – respondeu o velho louco e mal vestido do outro lado. – É bastante comum que essas nossas partidas terminarem sem levar a lugar nenhum. Tão comum que sinceramente me deixa desmotivado.
- Por quê? Sempre achei eu você gostasse desse jogo mais do que eu.
- Não, de forma alguma, o que eu gosto é de ver a sua cara quando eu faço alguma jogada inesperada. É realmente engraçado.
- Não me diga. Realmente seu método de jogo é completamente ilógico e aleatório. Não sei como até hoje não consegui uma vitória realmente significativa contra você.
- Acha mesmo que minhas jogadas não têm nenhuma lógica, não é? Nunca passou pela sua cabeça que eu possa ser muito mais esperto do aparento e que tudo isso faz parte de um plano muito maior e mais complexo e que no final todas essas jogadas aparentemente desconexas irão se amarrar e gerar a minha vitória definitiva.
- Não. Não é o seu estilo. Você bem que seria capaz de algo assim, mas não o fará simplesmente porque não gosta de planos, ainda mais um assim tão complicado. Alem do mais eu já conheço seu jogo a muito tempo e já aprendi a prever cada pequena possibilidade aleatória que você possa criar e assim me antecipar as suas jogadas mais importantes.
- E mesmo assim Você simplesmente não consegue me vencer de verdade. Não acha isso um pouco ilógico.
- Não, eu só vejo lógica.
A mais tempo do que a mente mortal pode calcular, o deus da ordem e da justiça, Kalmir, e o deus do caos, Nimb, travam diariamente uma partida de xadrez cósmica que envolve o destino de todo o universo.
Há uma sala que existe ao mesmo tempo no palácio dos dois deuses, essa sala tem a forma de um tabuleiro de proporções oceânicas, onde cada peça representa um individuo. De um lado senta Kalmir trazendo consigo anotações de todas as jogadas que executará naquele dia. Julgamentos que ele fez nas primeiras horas da manha. Cada mortal que toma qualquer importante decisão, na visão de Kalmir, naquele dia, tendo ela já acontecido, ou ainda não, é registrado e as conseqüências dessas decisões são pesadas sob o fiu da lamina de sua espada. E assim ele julga se as conseqüências serão boas ou más pare essa pessoa. Na verdade seguindo a lógica daquele que é o deus da lógica, se um mortal toma uma decisão ruim às conseqüências serão ruins e se assim não são é, é por causa da interferência de Nimb.
Nimb, do outro lado chega na sala trazendo consigo apenas um copo e um par de dados. Antes de cada jogada ele põe os dados dentro do copo, tampa com a mão, balança, sopra “Pra dar sorte” e então joga os dados, ele olha para os dados analisa-os friamente e de acordo com eles faz sua jogada. Kalmir, já tentou descobrir qual número nos dados corresponde a que jogada no tabuleiro, mas até hoje nunca conseguiu descobrir.
Mas coisa que mais frustra a ambos os jogadores é o fato de, apesar de suas pretensas onipotências, eles não possuem o controle de todas as peças do tabuleiro algumas estão sobe influência de outros deuses que participam indiretamente do jogo, e algumas se movem sozinhas de maneira inexplicável. Essas peças geralmente pertencem a indivíduos excepcionais que possuem o controle de seus próprios destinos. Esses indivíduos são capazes de tomar decisões que podem virar completamente a partida de forma inesperada para qualquer lado, ou para ambos, ou para nenhum, nunca se sabe.
- Bom, acho que acabamos por hoje – disse o cavaleiro, arrumando todas as suas anotações.
- Não, acho que não.
- Como assim, ainda tem uma ultima jogada que gostaria de fazer?
- Não. Só estou dizendo que o jogo pode ter acabado para nós hoje, mas nos últimos tempos outros deuses têm se mostrado bastante ativos e atentos a nossas partidas e um deles está para dar uma importante jogada.
- Quem, onde está vendo isso?
- Hahaha, não se preocupe meu caro, você logo vai ver afinal isso diz respeito diretamente a você. – E o velho partiu pela porta do outro lado da sala. – Afinal, existem coisas que a lógica não pode prever.
Perplexo com essas ultima declaração o cavaleiro deixou a sala do tabuleiro e caminhou, até a sua sala do trono onde começou a refletir sobre a ultima partida. Ele suspeitava do que o velho estava falando.
Passado algum tempo ela entrou na sala do trono. Ele já sabia que logo, logo ela viria, mas não a esperava tão cedo e não sabia o que dizer.
Ela entrou vestindo uma armadura de batalha, que era tão inapropriada e ao mesmo tempo lhe caia tão bem, protegendo e ao mesmo tempo revelando na medida certa, que deixou o cavaleiro nervoso.
- Visual interessante.
- Não gostou? Coloquei pra você.
- Não sei dizer se gostei.
A malícia passou pelos olhos da mulher.
- Ah, me desculpe, eu esqueci como você gosta de mim. Nua, a seus pés e implorando por misericórdia.
Talvez uma faca tivesse lhe doido menos.
- Valkaria... Você sabe que eu fui justo naquela ocasião, você nos traiu e todos estavam contra você. Por eles você teria sofrido o mesmo castigo os outros.
- E ao invés disso, o justo rei do panteão, em sua infinita misericórdia, resolveu me transformar em pedra por... Quanto tempo faz mesmo?
- Não muito, uns poucos milhares de anos.
- Jura? Eu pensei que fosse bem mais. Sabe o tempo não é muito seu amigo quando você é uma estatua que não tenha nada para fazer.
- Pare com toda essa ironia. Você está de volta.
- Muita coisa aconteceu, enquanto estive presa.
- De fato. Os elfos hoje estão no caminho da extinção, e Gloriene perdeu quase todo seu poder.
- Bem feito pra ela e pra todos aqueles metidos que se achavam a melhor raça do mundo. Eu me lembro como se fosse hoje o dia em que ela apareceu e nos mostrou sua criação. Toda orgulhosa, dizendo o quanto eram perfeitos, como viviam em harmonia com a natureza e como sua sociedade era avançada. Bom, para onde levou toda aquela perfeição?
- Não seja assim. O fim de uma raça e a decadência de uma deusa não são coisas boas.
Ela caminhou lentamente até a janela e olhou o horizonte harmônico das planícies do reino de Kalmir. Contra silhueta da luz do sol o cavaleiro pode finalmente parar para contemplá-la como há tempos não fazia. Ele havia esquecido o quanto ela era bela.
- E vi os anões. Eles evoluíram muito em muito pouco tempo. Você deve estar muito orgulhoso deles.
Um rubor pareceu cobrir rapidamente o rosto geralmente impassível do cavaleiro.
- Sim, estou.
- Claro que em matéria de evolução ninguém se compara aos meus humanos, els conseguem se desenvolver melhor que qualquer um e sobreviver a qualquer coisa. Eu sei, eu os criei para isso.
- É provável que sim.
- E enquanto a mãe deles, Ainda está com ela?
- Esse não é um assunto simples. – disse dando as costas para ela. – o que veio fazer aqui Valkaria? Sei que não é uma simples visita social.
Ela se riu, – Quão perspicaz é o deus da justiça. – e caminhou com passos felinos em sua direção – Seria tão bom se todos os seus juízes fossem assim. – Ela tocou seu peito e encostou seu rosto na armadura do cavaleiro. – Você não sabe o quanto é frio. Quanta falta eu senti do calor.
E eles se beijaram. De uma forma violenta como amantes que não se vêem há muito tempo. E as mãos dele passearam pelo corpo dela e muitas memórias esquecidas (não abandonadas) voltaram a sua mente e parecia que o mundo havia sumido que naquele momento nada mais importava.
- Imagine quão maravilhosos poderiam ter sido nossos filhos.
E tudo desabou como um castelo de cartas. Ele a afastou com violência e cobriu a própria boca com a mão. Não sabia se para limpa-la ou para proteger-se.
Ela riu. Ele nunca ficava abalado, só ela tinha esse poder.
- Você...
- Adeus deus da justiça. Logo terá noticias minhas.
a um universo de distancia dali, um velho sentado em uma cadeira de balanço sorria satisfeito.
- Xeque!

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