segunda-feira, 29 de janeiro de 2024

Conto de Reinos de Ferro: Defensores da Trácia

A seguinte ficção e cenário retratam a luta desesperada entre os antigos Menitas, que se estabeleceram no que hoje é o centro de Cygnar, e as tribos selvagens dos bárbaros Molgur, que habitavam essa região selvagem e indomada. A história se concentra no guerreiro-sacerdote Menita Valent Thrace, que posteriormente construiria o grandioso Escudo de Thrace.

Por Aeryn Rudel e DAVID “DC” CARL Conto lançando na NoQuarter N°45.

Montanhas da Muralha da Serpente, 2815 AR (Antes da Rebelião)

Valent, filho de Varus, permanecia sobre as muralhas terrosas da Thracia, apoiando-se pesadamente em seu escudo surrado. Seu olhar se estendia por uma terra desolada que se espalhava por 94 metros, desde as rústicas paredes de madeira da paliçada da vila até a linha das árvores da densa floresta que os circundava. A área tinha sido limpa pelo fogo e pela lâmina, as imponentes lanças dos altos pinheiros foram derrubadas para o uso de sua madeira e para deixar o inimigo sem lugar para se esconder.
Ao redor dos tocos queimados, o solo estava coberto de hastes de flechas, armas quebradas e dezenas de corpos. Os aldeões haviam recolhido seus próprios mortos, mas os corpos de seus inimigos foram deixados para apodrecer. Agora, o cheiro de decomposição estava sempre em seu nariz, e ele observava os corpos diante da paliçada se desintegrarem lentamente sob a atenção de carniceiros e enxames de vermes.
Valent acreditava ter se acostumado a tais visões, que a morte violenta não continha mais mistério ou choque para ele. Valent já não sentia um desconforto visceral ao testemunhar a
brutalidade com que inocentes eram desmembrados e parcialmente devorados. Seu coração não mais ardia de fúria diante dos apelos sufocados por misericórdia, ecoando de homens amarrados a uma estaca e agonizando enquanto eram lentamente esfolados vivos.
A mão que empunhava a espada não se contraia mais automaticamente apenas com o
pensamento daqueles responsáveis por tais atrocidades: os demônios Molgur que espreitavam além das modestas muralhas da sua fortaleza.
Essa estoicidade que alguns poderiam rotular como insensibilidade foi adquirida ao longo
de anos combatendo um inimigo que, embora parecesse humano, demonstrava estar desprovido de qualquer humanidade. Ele repetia a si mesmo e às cem ou mais pessoas sob
sua proteção que as terríveis crueldades infligidas a eles eram a vontade inerrante de
Menoth, um teste de fé e perseverança justa. No entanto, ultimamente, essas palavras

tinham sabor de cinzas em sua língua e pareciam mais e mais uma mera formalidade
prestada a um deus que já não se importava.
Afastou, com algum esforço, os pensamentos blasfemos. Percebeu que ficar imerso em
reflexões desse tipo não traria benefício algum. Balançou a cabeça, deslizou as mãos pelos
fios emaranhados de seus cabelos negros e, então, virou-se para contemplar a vila cercada
pelas muralhas. O assentamento, batizado por seu pai como Trácia, consistia em trinta
casas de barro e vime que circundam o templo de Menoth, uma construção de pedra sólida
no coração da vila. Duas largas vias de terra, com residências dos aldeões ao longo delas,
estendiam-se de norte a sul e de leste a oeste, convergindo na praça em frente ao templo.
Uma paliçada de madeira envolvia todo o vilarejo, apoiada por muros de terra.
Os habitantes de Trácia perambulavam sem rumo entre as construções, parando
ocasionalmente para erguer seus rostos carentes e pálidos em direção às muralhas e aos
poucos homens armados sobre elas. Varus, o pai de Valent, os havia conduzido até aqui há
cinco invernos, abandonando a relativa segurança dos assentamentos Menitas mais
estabelecidos em troca da selvageria, porém fértil, nos sopés das grandes montanhas a
noroeste. A região era habitada pelos Molgur, tribos de humanos bárbaros que adoravam
uma entidade terrível conhecida como Devorador Wurm. As tribos eram pequenas e mal
organizadas, e os Menitas, equipados com armas e armaduras de bronze, rapidamente
haviam abatido ou expulsado aqueles Molgur que viviam próximo ao local onde Trácia seria
construída.
Os moradores de Trácia vagavam sem rumo entre as construções, ocasionalmente parando
para erguer seus rostos carentes e pálidos em direção às muralhas, observando os poucos
homens armados posicionados sobre elas. Há cinco invernos, Varus, o pai de Valent, os
conduziu até aqui, deixando para trás a relativa segurança dos assentamentos Menitas
Para em troca desbravar a selvageria e fertilidade das regiões nos sopés das grandes e
desafiadoras montanhas a noroeste. Essa escolha colocou-os em contato com os Molgur,
tribos de humanos bárbaros que veneravam uma entidade terrível conhecida como A
Serpente Devoradora. As tribos eram pequenas e mal organizadas, e os Menitas,
equipados com armas e armaduras de bronze, prontamente haviam eliminado ou expulsado
aqueles Molgur que viviam nas proximidades do local onde Trácia seria construída.
As casas e a paliçada foram construídas logo em seguida, e a Trácia desfrutou de um ano
de relativa paz e prosperidade.
Mas então, os Molgur retornaram.
Valent lembrava-se claramente do primeiro ataque.
Uma dúzia de guerreiros bestiais havia chegado durante a noite, deslizando pela escuridão
sem lua com a intenção de matar. Os sentinelas da paliçada estavam negligentes, e os
Molgur já estavam dentro de suas muralhas, seus machados já haviam bebido sangue,
quando o primeiro toque de chifre do alarme soou. O caos que se seguiu ceifou a vida de
vinte aldeões, incluindo o pai de Valent. E devido ao tumulto gerado levou horas para Valent
reunir os guerreiros de Trácia, e revidar com uma caçada para destruir cada Molgur que
havia invadido suas muralhas.

Com Varus morto, seu manto e autoridade passaram para Valent, que imediatamente
direcionou seu povo para fortalecer a paliçada e limpar a floresta ao redor. Nos dois anos
seguintes, os ataques se intensificaram à medida que múltiplas tribos Molgur se uniram
para atacar os colonos Menitas. A ameaça era constante, exigindo que homens armados
escoltassem os aldeões até os campos além das muralhas, mas não foi suficiente. A cada
semana, homens e mulheres morriam, e, não importava quantos Molgur fossem abatidos,
seus números pareciam inesgotáveis. Eventualmente, o terror do inimigo superou os
habitantes de Trácia, e eles se recolheram completamente atrás de suas muralhas. Suas
colheitas murcharam, e quando Valent enviava seus homens para caçar, eles
frequentemente eram capturados e empalados à vista na borda da linha das árvores, e
torturados até a morte como parte de algum vil ritual para A Serpente Devoradora. Os
Molgur não conseguiam romper a paliçada, mas sua segurança era de duas faces.
Protegia-os dos machados Molgur, mas provavelmente condenava os poucos Meninas que
restaram à agonia lenta da fome e da doença.
O repentino e agudo som do chifre de guerra Molgur arrancou Valent da melancolia dentro
de suas muralhas, direcionando sua atenção para o horror que se desenhava além delas.
Ele girou para observar um grupo de imponentes figuras emergindo das árvores à beira da
clareira, bem além do alcance dos arcos dos Menitas.
Embora nominalmente humanos, os guerreiros Molgur pareciam mais bestiais do que
homens; moviam-se rapidamente e mantinham-se rentes ao solo, como predadores em
busca de sua presa. Estavam nus, vestindo apenas retalhos de couro e pele ao redor da
cintura, além de algumas peças de armadura saqueadas dos mortos. Sua pele exposta
exibia padrões e símbolos giratórios, pintados em tons suaves de vermelho e preto,
representando a iconografia sagrada da Serpente Devoradora. A maioria dos Molgur estava
enfeitada com diversos amuletos e penduricalhos amarrados em tiras de couro rústicas nos
pulsos, pescoço e tornozelo, esses adornos eram feitos de chifre, osso e troféus macabros
retirados de inimigos caídos. Eles não portavam escudos, nem estavam armados com
projéteis; em vez disso, cada um empunhava um maciço machado de duas mãos,
confeccionado em pedra lascada ou, em raros casos, cobre ou bronze grosseiramente
forjado.
Valent pegou seu escudo, passou o braço por suas alças e agarrou a trompa de caça
pendurada em seu cinto. Colocou a trompa nos lábios e soprou um chamado longo e
sinuoso. O som das trombetas de cifre dos Molgur já havia dispersado os aldeões para suas
casas; e o chamado de Valent era como um sinal para seus guerreiros se reunirem nas
muralhas.
Os Molgur continuavam a surgir da floresta, e agora dezenas deles se posicionavam em um
semicírculo irregular à beira do campo de batalha aberto diante da paliçada. No entanto,
eles não esboçaram nenhum sinal de avanço em direção à clareira nem mesmo em direção
às muralhas, assim como não demonstraram nenhuma reação ao som do chifre de caça de
Valent.
Valent ouviu o ruído metálico dos homens de armadura se movendo em sua direção.
Momentos depois, catorze Menitas armados e equipados com armaduras ficaram ao seu

lado esquerdo e direito, cada um segurando um dos preciosos arcos que trouxeram do sul.
Ele observou as figuras magras e com olhos fundos ao seu redor, cujas cotas de malha
opacas pendiam sobre estruturas desgastadas. Esses eram todos os que restavam dos
cinquenta homens de combate que seu pai trouxe para proteger o assentamento. Além de
seus arcos, cada um carregava um aljava de flechas, um machado de cabo curto com uma
pesada cabeça de bronze e um pequeno escudo redondo feito de tábuas de madeira
cobertas com couro. Apenas ele e o senescal da vila, Ternius, portavam espadas.
“O que eles estão fazendo?”
Perguntou Ternius, abrindo caminho entre os homens para ficar ao lado de Valent. Ternius
era um homem magro e lupino na casa dos cinquenta, com cabelos e barba grisalhos,
embora ainda fosse um lutador capaz.
“Não é do feitio deles anunciar sua presença ou nos atacar em tão grande número em plena
luz do dia.”
Valent assentiu, mas não disse nada. Ternius estava certo. Algo estava diferente, e isso o
enchia de um terrível pressentimento. Os homens nas muralhas olhavam para ele, seus
olhos implorando por algumas palavras para fortalecê-los contra o terror além do muro. Mas
ele não tinha nada para dar a eles. Em vez disso, sacou sua espada e apontou para a
esquerda e depois para a direita.
"Espalhem-se ao longo da parede norte"
Rugiu em comando.
"Quero flechas preparadas e a passagem para o portão norte coberta. Baeren, Orthus,
posicionem-se no portão sul; eles podem nos atacar de ambas as direções."
Enquanto os homens se moviam para assumir suas posições, Valent acrescentou:
"Menoth esteja com vocês."
As palavras ecoaram secas, e ele sentiu pouco conforto ao pronunciá-las, assim como seus
homens devem ter sentido pouco conforto ao ouvi-las.
Ternius permaneceu ao seu lado, com uma mão no cabo de sua espada. Seu rosto áspero
era impossível de ler.
"Eles estão se consumindo, Valent"
Ele disse finalmente. Enquanto acenava com a mão da espada para a multidão crescente
de Molgur.
"Nenhum homem, não importa quão forte seja sua fé, pode suportar essa loucura. Sem
eventualmente se perder para ela."

Valent apertou os dentes, sentindo a voz sombria de seu pai ecoar com a análise.
"Estou profundamente ciente da nossa situação, Ternius"
Disse amargamente, virando-se para encarar o homem mais velho.
"Você não acha que a cada momento que estou acordado eu não sou consumido por isso?
Em nenhum momento você considerou que rezo todas as noites por algum sinal, por uma
salvação?"
Valent então se aproximou, trazendo seu rosto a centímetros do de Ternius.
“Há apenas o silêncio Ternius”
Murmurou ferozmente.
"Fomos abandonados ao nosso destino."
Com uma pausa se deixou tomar pela raiva e a desesperança, e então deixou sair de sua
boca aquilo que o assombrava a cada momento de sua vigília ao longo dos últimos anos.
"Isso é um castigo do Criador pela loucura de meu pai."
Ternius deu um passo para trás, com a boca cerrada de raiva. Ele tinha sido amigo e
seguidor de Varus desde antes do nascimento de Valent, e, como muitos na vila,
considerava o homem um modelo de fé Menita. Valent notou as mãos de Ternius se
fechando em punhos ao lado do corpo, e por um momento, ele se perguntou se chegariam
às vias de fato.
O momento então foi interrompido pelos Molgur que estavam além da paliçada. Um coro de
gritos agudos ecoou pela clareira, e Valent virou-se para ver cinco mulheres Molgur
emergindo da floresta, seus corpos nus pintados com padrões em espiral de preto e
vermelho. Ele já tinha visto mulheres assim antes. Eram as xamãs dos Molgur, e eram suas
facas de pedra que derramavam o sangue de seu povo para alimentar o apetite de seu
deus blasfemo. Elas pulavam e se contorciam, em suas demonstrações rítmicas sugerindo
alguma dança ritualizada e selvagem. No centro dos xamãs caminhava um homem sem
camisa, com seu peito magro coberto de vermelho ao qual Valent não conseguia entender
se era tinta Molgur ou o próprio sangue do homem.
"Menoth nos proteja”
Valent ouviu Ternius sussurrar atrás de si, com uma voz grave e repleta de horror.
“Não pode ser... é Neras.”
Valent respirou fundo, sentindo o peso do desespero sobre ele. Neras estava entre os
últimos do grupo de caça que ele havia enviado. Há duas semanas o grupo foi surpreendido
por Molgur a alguns quilômetros da vila, mas conseguiu lutar de volta para até Trácia.
Todos, exceto Neras.

Ele foi ferido no confronto inicial, e os outros foram obrigados a deixá-lo para trás. Todos
acreditavam e na verdade, esperavam que Neras tivesse sucumbido aos ferimentos antes
que os Molgur o encontrassem. A ideia do que poderia vir a acontecer ao homem fez o
estômago de Valent se revirar.
Das muralhas Menitas, todos os olhos estavam fixos no espetáculo que se desenrolava à
beira da floresta. Um Molgur macho forçou Neras a ajoelhar-se enquanto as xamãs
dançavam e uivavam ao seu redor. Os guerreiros flanqueavam o grupo em duas linhas
escalonadas e adicionavam seu próprio cântico gutural, profundo e retumbante, ao grito
ululante das fêmeas. Neras ajoelhou-se imóvel, de cabeça baixa, a imagem perfeita de um
homem que aceitou o seu destino.
Valent viu que uma das mulheres segurava uma lâmina em sua mão direita uma das finas e
brutalmente afiadas facas de pedra que todas as xamãs Molgur carregavam. Ele sabia o
que aconteceria em seguida e olhou para os homens ao longo das muralhas. Seus arcos
não tinham alcance para derrubar os Molgur ou proporcionar a Neras uma morte rápida. Ele
se forçou a assistir enquanto o cântico selvagem se intensificava, crescendo mais alto e
frenético. Seus homens precisavam vê-lo aceitar sem pestanejar o que aconteceria em
seguida. Se ele hesitasse, como ele poderia esperar que seus homens permanecessem
firmes?
As xamãs pararam subitamente de dançar, e seus uivos estridentes desvaneceram-se no
trovão surdo do cântico dos guerreiros Molgur. Duas das mulheres avançaram para segurar
Neras pelos braços, enquanto aquela que empunhava a faca de pedra aproximava-se por
trás agarrando-lhe pelos cabelos. Então, sem cerimônia, com um puxão colocou a cabeça
de Neras para trás, estendeu a mão direita e passou a faca pela garganta dele com um
único movimento selvagem.
Mesmo de onde Valent estava no topo das muralhas, era possível ver o sangue jorrar.
Neras se debatia e lutava e sua aparente apatia foi esquecida à medida que sua vida
jorrava de seu corpo. As mulheres Molgur o seguraram firmemente até que seus últimos
momentos de angústia cessassem, e ele desabou em suas mãos.
Ao longo da muralha, Valent pôde ver seus homens agrupados em duplas ou trios,
esquecendo suas ordens em busca do conforto das palavras uns dos outros. Ele não os
repreendeu; não havia ameaça imediata, e eles ainda estavam seguros atrás de suas
muralhas. Os Molgur haviam realizado rituais semelhantes com Menitas capturados no
passado, embora ele não se lembrasse de tantos desses selvagens presentes antes.
Os xamãs Molgur ergueram novamente as vozes em um grito estridente, e aqueles que
seguravam Neras recuaram, deixando seu corpo sem vida cair no chão. As cinco mulheres
viraram as costas para a vila e encararam a floresta com os braços erguidos. Seu canto
estridente adquiriu uma qualidade de melodia à medida que se harmonizou com o canto
mais profundo dos guerreiros.
Valent percebeu algo se acumulando no ar, algo antigo e inominável, uma energia que o

fazia sentir-se vulnerável mesmo atrás de suas muralhas. Ele viu as árvores na floresta
começarem a balançar diretamente no caminho das xamãs Molgur e ouviu o grito gemido
de troncos se partindo sob algo imensuravelmente grande e pesado.
Quando a criatura emergiu da floresta, erguendo-se sobre os Molgur diante dela, mal
parecia real, um fragmento de algum terrível pesadelo desperto. Ele percebeu uma
respiração coletiva entre seus homens e tomou consciência de sua própria boca
movendo-se involuntariamente em uma prece desesperada ao Criador.
A criatura que os Molgur tinham invocado se erguia tão alta quanto a parede ao redor da
vila. Mantinha-se sobre duas pernas,e seus longos e poderosos braços terminavam em
mãos com dedos achatados. Pelos brancos e ásperos cobriam seu corpo e pendiam em
tufos longos de seus braços e ao redor de seus cascos fendidos. Sua cabeça de focinho
reduzido, que se erguia a 5 metros do chão, era coroada com um espiral de chifres,
semelhante ao de um carneiro, mas coberto por densas placas ósseas.
Ao lado de Valent, Ternius sacou sua espada enquanto agarrava o topo da paliçada com a
outra mão; a força era tanta que seus dedos estavam completamente brancos de tensão.
Ternius voltou seu olhar para Valent, seus olhos arregalados e a garganta se movendo em
puro terror mudo. Valent nunca tinha o visto tão assustado, e sentiu que o medo do homem
era contagioso, por um instante Valent sentiu como se uma serpente de horror se
entranhasse em seu coração e vísceras, devorando sua coragem.
Nesse momento de desespero, Valent agradecia pelos os aldeões não poderem ver o que
estava acontecendo além das muralhas. Ele mal podia imaginar o pânico que uma visão
assim causaria.
Os Molgur haviam cessado os cânticos, e um silêncio mortal pairou sobre a clareira. A
criatura encarava os xamãs à sua frente, arranhando o solo com um casco maciço. As
mulheres recuaram, afastando-se do corpo de Neras, enquanto os guerreiros flanqueavam
o monstro em duas linhas, apontando diretamente para o portão norte da paliçada da vila. A
besta avançou, com cada passo seu fazendo a terra tremer, e então se abaixou para cheirar
o corpo de Neras. Após um momento, ergueu-se à sua altura total, e virou a sua cabeça
maciça semelhante a de um mamute na direção da vila. Valent sentiu que algo havia
ocorrido entre a criatura e os Molgur, mesmo sem palavras sendo proferidas. Uma oferta foi
feita e aceita.
Ele sabia em seus ossos o que viria a seguir, mesmo antes que a grande besta abaixasse a
cabeça e começasse a pisotear a planície aberta em direção à vila, Valent gritou às suas
ordens.
"Arqueiros! Abatam-na antes que alcance o portão!"
Sua voz sacudiu os homens de sua paralisia de terror, e eles se apressaram em formar uma
linha ao longo das muralhas no norte.

A besta se movia rapidamente, suas patas onde tocava transformava a terra queimada em
adubo. Os Molgur se moviam atrás de seu campeão em uma multidão dispersa, suas vozes
elevadas em um coro de uivos de guerra.
Valent ergueu sua espada e mais uma vez bradou em ordem.
"Preparem e soltem!"
Ao lado dele, quatorze homens puxaram seus arcos e lançaram suas flechas com pontas de
ferro na besta que avançava. A maioria das flechas assobiou passando por ela ou afundou
em sua pele sem efeito aparente; e aquelas que atingiram seu crânio e chifres
ricochetearam, quebradas e inúteis.
“É muito grande!"
Disse Ternius, agarrando o braço de Valent.
"Deixe-o chegar mais perto. Talvez o portão aguente."
Valent assentiu, embora ele não acreditasse de verdade nas palavras de Ternius.
"Concentrem-se nos Molgur!"
Ternius gritou, e sem demora os homens puxaram seus arcos mais uma vez.
Desta vez, suas flechas voaram sobre a besta e encontraram alvos muito mais macios.
Valent observou com satisfação sombria enquanto quatro guerreiros Molgur e uma das
xamãs caíam no chão, com uma flecha Menita alojada em seu peito, torso e crânio.
A besta estava a apenas 18 metros do portão agora, e não diminuía a velocidade. Avançava
como uma força da natureza, um furacão ou terremoto em forma física. Saltou a vala rasa
na base da parede e colidiu com o portão sem diminuir a velocidade. Valent sentiu toda a
parede tremer e ouviu o som terrível de vigas pesadas se partindo sob o ataque.
"Continuem atirando!"
Valent gritou para os homens ao seu redor. E então, voltou-se para Ternius e com um puxão
o conduziu por um declive de terra em direção à vila.
Os habitantes de Trácia foram expulsos de suas casas pelo som da besta no portão, e
estavam se movendo em uma multidão dispersa longe da parede norte. Quando Valent e
Ternius chegaram à base do declive, Valent puxou Ternius para perto e lhe ordenou.
“Preciso que você pegue Baeren, Orthus e mais seis dos nossos guerreiros e conduza
nosso povo para fora pelo portão sul.”
“O quê?!”

Ternius exclamou, afastando-se de Valent.
”'Abandonar a Trácia? Seremos massacrados lá fora! Seu pai...”
“Chega!”
Valent em tom de desaprovação o interrompeu.
“Meu pai não estava seguindo a vontade do Legislador quando nos liderou para o norte,
Ternius. Ele estava seguindo a própria vontade. Nosso povo está morrendo. Não há futuro
aqui.”
A parede tremeu novamente quando a besta se chocou contra o portão, enfatizando a
declaração de Valent.
“Preciso que você conduza nosso povo para longe disso”
Disse Valent, com um tom mais suave, quase suplicante.
Ternius o encarou por um momento e então assentiu e perguntou.
“'Eu farei isso. Mas para onde iremos?”
"Vá para o sul. Leve-os para casa. Uma das colônias os acolherá."
Respondeu Valent. Mas Ternius franzia o cenho em resposta.
"Você não pretende nos seguir"
Disse ele gravemente.
Valent balançou a cabeça em sinal de negação.
“Pecados plantados pelo pai são colhidos pelos filhos"
Disse suavemente, citando o Cânone da Verdadeira Lei.
"Eu conseguirei algum tempo para vocês."
Disse Valent.
Ternius então estendeu a mão e segurou o ombro do jovem.
"Que Menoth lhe dê forças, Valent. Nos encontraremos novamente em Urcaen."
Em seguida, virou-se e começou a gritar os nomes dos guerreiros que o acompanhariam.
Valent observou o grupo descer das muralhas e se apressar em direção ao portão sul. Os

homens restantes haviam esgotado suas flechas e o observavam em busca de mais
ordens.
Ele olhou para cima e apontou sua espada para o portão, que agora se curvava para dentro
e que poderia desabar a qualquer momento.
"Peguem seus machados!"
Ele gritou para a meia dúzia de homens que ainda resistiam nas muralhas.
“Juntem-se a mim no portão! Que o Criador seja testemunha de seu sacrifício hoje!"
Ele sentiu surgir um forte orgulho quando cada homem pegou o machado do cinto, fixou o
escudo no braço e começou a descer as muralhas. Valent avançou em direção ao portão,
seus poucos guerreiros seguindo atrás. Ele podia ouvir as vozes ásperas dos Molgur do
lado de fora das paredes, que eram silenciadas apenas pelos profundos gritos retumbantes
da besta. Ele e seus homens pararam a cerca de 18 metros do portão já danificado, no
meio da estrada que dividia as metades leste e oeste da vila. Atrás deles, os habitantes da
Trácia fugiam em direção ao portão sul, e Valent conseguia ouvir a voz de Ternius sobre o
tumulto, gritando ordens e palavras de encorajamento.
"Formem uma cunha atrás de mim"
Disse Valent, e os homens obedeceram, criando um triângulo irregular com Valent à frente.
Ele posicionou seu grande escudo oval à frente do corpo, apresentando o Menofix o
símbolo de Menoth estampado em sua superfície ao inimigo. Então, ele olhou para a
paliçada de madeira, que agora parecia tão frágil, e ofereceu uma oração silenciosa a
Menoth.
“Que minha morte tenha algum significado”
Ele implorou ao Legislador.
“Não puna meu povo pelo orgulho de meu pai.”
Ele esperava que sua oração simplesmente se dissolvesse no éter, como aconteceu todas
as vezes anteriores, mas desta vez seu apelo não foi recebido com silêncio.
Valent sentiu o súbito peso sufocante de uma presença que sua mente mal conseguia
compreender; ela avançou por ele, preenchendo cada fibra de seu ser com uma vontade
vasta e indomável. Ele tinha uma vaga consciência do portão se despedaçando diante dele
enquanto a besta avançava. Como se através de uma névoa, ele viu quatro de seus
homens largarem suas armas e fugirem, enquanto dois soltavam gritos de batalha roucos e
investiam para sua certa perdição. Mas então, o portão, seus homens e a besta
simplesmente desapareceram, e ele viu um muro de pedra imponente, tão imenso que não
conseguia ver onde começava ou terminava. Sobre essa poderosa barricada pendiam
enormes tapeçarias com o Menofix, e no topo, ele viu muitos soldados, seus escudos
também ostentavam o símbolo do Criador.

Foi uma visão gloriosa, e ele sentiu lágrimas arderem-lhe nos olhos.
A visão continuou, e Valent viu um grande sol amarelo se erguendo atrás do muro, tão
brilhante e puro quanto a vontade de Menoth. Quando então, uma voz falou em sua mente,
uma voz tão gloriosa e terrível que ele pensou que sua cabeça se partiria, incapaz de conter
sua enormidade.
“VEJA O MURO”
Ecoou a voz.
“VOCÊ É MEU ESCUDO. E VOCÊ CUIDARÁ DA CHAMA QUE FICA ENTRE A
ESCURIDÃO E AQUELES QUE OBEDECEM À VERDADEIRA LEI.”
Então, tão subitamente quanto havia vindo, a presença o deixou, levando consigo a visão
do magnífico muro. As visões e sons da condenada Trácia rugiram de volta através de seus
sentidos, e Valent se viu de joelhos diante do portão destruído. Viu a besta agachada sobre
o cadáver esmagado de um de seus homens, enquanto outro Menita estava agarrado em
um dos punhos enormes da besta. Em resposta a besta golpeava o corpo em sua mão
contra o chão repetidamente, deixando uma mancha sangrenta na terra que se alargava a
cada golpe.
Valent se levantou lentamente e mais uma vez colocou seu escudo à sua frente.
"Eu sou o escudo"
Disse suavemente, seu corpo vibrando com poder.
"Eu permanecerei de pé!"
Esse último ele gritou, fazendo com que a besta girasse sua cabeça com chifres em sua
direção. Atrás dela, os Molgur fluíam pelo o portão quebrado, embora não avançassem
muito. Eles não tinham pressa. A vila era deles, e pararam para assistir ao monstro que
haviam solto contra seus inimigos fazer seu trabalho.
A besta se endireitou à sua altura total e deixou cair o cadáver arruinado de sua mão. Ela
raspou o chão e encarou o humano que ousou desafiá-la, depois baixou a cabeça e
avançou.
Valent apoiou seu escudo contra o corpo e firmou os pés, se preparando para o impacto
terrível. Sentiu um calor repentino em seu braço direito e olhou para baixo, vendo chamas
amarelas deslumbrantes tremulando ao longo da longa lâmina de ferro da espada de seu
pai. Ele não sentiu medo, nem arrependimento. Era um recipiente vazio no qual Menoth
havia derramado sua vontade.
A besta cruzou o espaço entre o portão e Valent no intervalo de um piscar de olhos e
golpeou seu escudo com sua cabeça maciça e nodosa, como um verdadeiro aríete vivo. Ele

deveria ter sido arremessado para longe, esmagado pela terrível força da besta Molgur ou
transformado em uma pasta vermelha sob seus cascos. No entanto, no momento do
impacto, o Menofix em seu escudo brilhou com uma luz dourada brilhante, e ele não sentiu
mais do que um empurrão forte contra as tábuas de madeira robustas. A besta, no entanto,
reagiu como se tivesse se chocado diretamente contra o grande muro de pedra que Valent
vira em sua visão, recuando da pancada em um escudo absurdamente pequeno com um
mugido dolorido e cambaleando de volta em direção ao portão.
Valent avançou com ímpeto, esquivou-se de um golpe desajeitado do punho maciço da
besta e enfiou sua espada flamejante até o cabo embaixo de suas costelas do monstro. A
criatura soltou um grito gutural espesso e recuou, quase arrancando a lâmina da mão de
Valent. Mas ele a segurou firmemente, e a espada deslizou para fora do corpo da besta
enquanto ela cambaleava para longe. Fumaça subia da lâmina, já que as chamas ao longo
de seu comprimento consumiam o sangue da criatura.
A besta deu alguns passos, agarrando a ferida no torso, e então caiu de joelhos, sangue
escorrendo por seu corpo e formando poças no chão. Valent levantou seu escudo e
avançou em direção à besta. Ela o observou se aproximar, seus olhos negros turvados pela
dor e fúria. Quando ele estava a uma distância para atacar, ela levantou um braço
fracamente para se proteger, mas Valent desviou o golpe com seu escudo e se aproximou,
trazendo sua espada em um borrão de ferro flamejante. A lâmina cortou o pescoço espesso
da besta como se fosse feita de cera, e a enorme cabeça chifrada rolou para o chão aos
seus pés. O corpo da criatura desabou para trás e se chocou contra a terra.
Valent virou-se para enfrentar os Molgur reunidos e viu em seus rostos uma mistura de
horror e admiração. Apontou a lâmina ardente para eles, colocou seu escudo e o símbolo
sagrado do Legislador à frente do corpo e esperou. Eles o encararam em silêncio, mas não
fizeram menção de para atacar. Longos momentos se passaram, e ainda assim os Molgur
não avançaram. Finalmente, um dos guerreiros corpulentos simplesmente virou-se e
atravessou o portão destruído. Outro o seguiu, e então mais um. Os Molgur deixaram a
Thracia aos poucos, até que apenas Valent permaneceu.
Ele deixou sua espada cair ao lado, e as chamas tremulantes ao longo da lâmina
desapareceram. Seu escudo parecia muito pesado, e o cansaço dominava seus membros.
Atrás dele, ouviu pessoas se aproximando, e lentamente virou-se para ver aqueles
guerreiros que haviam fugido retornando, com vergonha estampada em seus rostos. Um
deles, um homem de cabelos escuros chamado Caleon, caiu de joelhos diante de Valent.
“Meu senhor”
Disse Caleon, usando o título de honra geralmente associado aos sacerdotes-reis da Antiga
Icthier.
"O que faremos agora?"
Valent embainhou sua espada e olhou para as paredes de madeira da vila de seu pai.

"Nosso povo está disperso para o sul"
Ele disse após uma longa pausa.
"Uniremos todos aqueles que seguem a Verdadeira Lei sob a vontade do Criador. Eu vi uma
fortaleza contra as trevas ainda maior do que Icthier."
Ele estendeu a mão, colocou-a no ombro de Caleon e sorriu.
"Siga-me, irmão, e juntos construiremos o Muro."

Texto traduzido por Silvio Rodrigues Gouvêa do Crônicas do Bardo.
OBS. Não sou um tradutor profissional e não tenho o intuito de ganhar dinheiro com esse
material.
Por isso a tradução foi feita com calma e cautela porém foi necessário acrescentar
pequenas palavras e frases para que pudesse ser compreendido como um todo mas sem
mudar a história oficial.
Espero que esse texto e muitos outros possam vir para que mais pessoas possam ter
acesso a essas incríveis histórias que se passam no meu atual cenário favorito, o
Reinos de Ferro.
A seguinte ficção e cenário retratam a luta desesperada entre os antigos Menitas, que se estabeleceram no que hoje é o centro de Cygnar, e as tribos selvagens dos bárbaros Molgur, que habitavam essa região selvagem e indomada. A história se concentra no guerreiro-sacerdote Menita Valent Thrace, que posteriormente construiria o grandioso Escudo de Thrace.

Por Aeryn Rudel e DAVID “DC” CARL
Conto lançando na NoQuarter N°45.

Montanhas da Muralha da Serpente, 2815 AR (Antes da Rebelião)

Valent, filho de Varus, permanecia sobre as muralhas terrosas da Thracia, apoiando-se
pesadamente em seu escudo surrado. Seu olhar se estendia por uma terra desolada que se
espalhava por 94 metros, desde as rústicas paredes de madeira da paliçada da vila até a
linha das árvores da densa floresta que os circundava. A área tinha sido limpa pelo fogo e
pela lâmina, as imponentes lanças dos altos pinheiros foram derrubadas para o uso de sua
madeira e para deixar o inimigo sem lugar para se esconder.
Ao redor dos tocos queimados, o solo estava coberto de hastes de flechas, armas
quebradas e dezenas de corpos. Os aldeões haviam recolhido seus próprios mortos, mas
os corpos de seus inimigos foram deixados para apodrecer. Agora, o cheiro de
decomposição estava sempre em seu nariz, e ele observava os corpos diante da paliçada
se desintegrarem lentamente sob a atenção de carniceiros e enxames de vermes.
Valent acreditava ter se acostumado a tais visões, que a morte violenta não continha mais
mistério ou choque para ele. Valent já não sentia um desconforto visceral ao testemunhar a
brutalidade com que inocentes eram desmembrados e parcialmente devorados. Seu
coração não mais ardia de fúria diante dos apelos sufocados por misericórdia, ecoando de
homens amarrados a uma estaca e agonizando enquanto eram lentamente esfolados vivos.
A mão que empunhava a espada não se contraia mais automaticamente apenas com o
pensamento daqueles responsáveis por tais atrocidades: os demônios Molgur que
espreitavam além das modestas muralhas da sua fortaleza.
Essa estoicidade que alguns poderiam rotular como insensibilidade foi adquirida ao longo
de anos combatendo um inimigo que, embora parecesse humano, demonstrava estar
desprovido de qualquer humanidade. Ele repetia a si mesmo e às cem ou mais pessoas sob
sua proteção que as terríveis crueldades infligidas a eles eram a vontade inerrante de
Menoth, um teste de fé e perseverança justa. No entanto, ultimamente, essas palavras

tinham sabor de cinzas em sua língua e pareciam mais e mais uma mera formalidade
prestada a um deus que já não se importava.
Afastou, com algum esforço, os pensamentos blasfemos. Percebeu que ficar imerso em
reflexões desse tipo não traria benefício algum. Balançou a cabeça, deslizou as mãos pelos
fios emaranhados de seus cabelos negros e, então, virou-se para contemplar a vila cercada
pelas muralhas. O assentamento, batizado por seu pai como Trácia, consistia em trinta
casas de barro e vime que circundam o templo de Menoth, uma construção de pedra sólida
no coração da vila. Duas largas vias de terra, com residências dos aldeões ao longo delas,
estendiam-se de norte a sul e de leste a oeste, convergindo na praça em frente ao templo.
Uma paliçada de madeira envolvia todo o vilarejo, apoiada por muros de terra.
Os habitantes de Trácia perambulavam sem rumo entre as construções, parando
ocasionalmente para erguer seus rostos carentes e pálidos em direção às muralhas e aos
poucos homens armados sobre elas. Varus, o pai de Valent, os havia conduzido até aqui há
cinco invernos, abandonando a relativa segurança dos assentamentos Menitas mais
estabelecidos em troca da selvageria, porém fértil, nos sopés das grandes montanhas a
noroeste. A região era habitada pelos Molgur, tribos de humanos bárbaros que adoravam
uma entidade terrível conhecida como Devorador Wurm. As tribos eram pequenas e mal
organizadas, e os Menitas, equipados com armas e armaduras de bronze, rapidamente
haviam abatido ou expulsado aqueles Molgur que viviam próximo ao local onde Trácia seria
construída.
Os moradores de Trácia vagavam sem rumo entre as construções, ocasionalmente parando
para erguer seus rostos carentes e pálidos em direção às muralhas, observando os poucos
homens armados posicionados sobre elas. Há cinco invernos, Varus, o pai de Valent, os
conduziu até aqui, deixando para trás a relativa segurança dos assentamentos Menitas
Para em troca desbravar a selvageria e fertilidade das regiões nos sopés das grandes e
desafiadoras montanhas a noroeste. Essa escolha colocou-os em contato com os Molgur,
tribos de humanos bárbaros que veneravam uma entidade terrível conhecida como A
Serpente Devoradora. As tribos eram pequenas e mal organizadas, e os Menitas,
equipados com armas e armaduras de bronze, prontamente haviam eliminado ou expulsado
aqueles Molgur que viviam nas proximidades do local onde Trácia seria construída.
As casas e a paliçada foram construídas logo em seguida, e a Trácia desfrutou de um ano
de relativa paz e prosperidade.
Mas então, os Molgur retornaram.
Valent lembrava-se claramente do primeiro ataque.
Uma dúzia de guerreiros bestiais havia chegado durante a noite, deslizando pela escuridão
sem lua com a intenção de matar. Os sentinelas da paliçada estavam negligentes, e os
Molgur já estavam dentro de suas muralhas, seus machados já haviam bebido sangue,
quando o primeiro toque de chifre do alarme soou. O caos que se seguiu ceifou a vida de
vinte aldeões, incluindo o pai de Valent. E devido ao tumulto gerado levou horas para Valent
reunir os guerreiros de Trácia, e revidar com uma caçada para destruir cada Molgur que
havia invadido suas muralhas.

Com Varus morto, seu manto e autoridade passaram para Valent, que imediatamente
direcionou seu povo para fortalecer a paliçada e limpar a floresta ao redor. Nos dois anos
seguintes, os ataques se intensificaram à medida que múltiplas tribos Molgur se uniram
para atacar os colonos Menitas. A ameaça era constante, exigindo que homens armados
escoltassem os aldeões até os campos além das muralhas, mas não foi suficiente. A cada
semana, homens e mulheres morriam, e, não importava quantos Molgur fossem abatidos,
seus números pareciam inesgotáveis. Eventualmente, o terror do inimigo superou os
habitantes de Trácia, e eles se recolheram completamente atrás de suas muralhas. Suas
colheitas murcharam, e quando Valent enviava seus homens para caçar, eles
frequentemente eram capturados e empalados à vista na borda da linha das árvores, e
torturados até a morte como parte de algum vil ritual para A Serpente Devoradora. Os
Molgur não conseguiam romper a paliçada, mas sua segurança era de duas faces.
Protegia-os dos machados Molgur, mas provavelmente condenava os poucos Meninas que
restaram à agonia lenta da fome e da doença.
O repentino e agudo som do chifre de guerra Molgur arrancou Valent da melancolia dentro
de suas muralhas, direcionando sua atenção para o horror que se desenhava além delas.
Ele girou para observar um grupo de imponentes figuras emergindo das árvores à beira da
clareira, bem além do alcance dos arcos dos Menitas.
Embora nominalmente humanos, os guerreiros Molgur pareciam mais bestiais do que
homens; moviam-se rapidamente e mantinham-se rentes ao solo, como predadores em
busca de sua presa. Estavam nus, vestindo apenas retalhos de couro e pele ao redor da
cintura, além de algumas peças de armadura saqueadas dos mortos. Sua pele exposta
exibia padrões e símbolos giratórios, pintados em tons suaves de vermelho e preto,
representando a iconografia sagrada da Serpente Devoradora. A maioria dos Molgur estava
enfeitada com diversos amuletos e penduricalhos amarrados em tiras de couro rústicas nos
pulsos, pescoço e tornozelo, esses adornos eram feitos de chifre, osso e troféus macabros
retirados de inimigos caídos. Eles não portavam escudos, nem estavam armados com
projéteis; em vez disso, cada um empunhava um maciço machado de duas mãos,
confeccionado em pedra lascada ou, em raros casos, cobre ou bronze grosseiramente
forjado.
Valent pegou seu escudo, passou o braço por suas alças e agarrou a trompa de caça
pendurada em seu cinto. Colocou a trompa nos lábios e soprou um chamado longo e
sinuoso. O som das trombetas de cifre dos Molgur já havia dispersado os aldeões para suas
casas; e o chamado de Valent era como um sinal para seus guerreiros se reunirem nas
muralhas.
Os Molgur continuavam a surgir da floresta, e agora dezenas deles se posicionavam em um
semicírculo irregular à beira do campo de batalha aberto diante da paliçada. No entanto,
eles não esboçaram nenhum sinal de avanço em direção à clareira nem mesmo em direção
às muralhas, assim como não demonstraram nenhuma reação ao som do chifre de caça de
Valent.
Valent ouviu o ruído metálico dos homens de armadura se movendo em sua direção.
Momentos depois, catorze Menitas armados e equipados com armaduras ficaram ao seu

lado esquerdo e direito, cada um segurando um dos preciosos arcos que trouxeram do sul.
Ele observou as figuras magras e com olhos fundos ao seu redor, cujas cotas de malha
opacas pendiam sobre estruturas desgastadas. Esses eram todos os que restavam dos
cinquenta homens de combate que seu pai trouxe para proteger o assentamento. Além de
seus arcos, cada um carregava um aljava de flechas, um machado de cabo curto com uma
pesada cabeça de bronze e um pequeno escudo redondo feito de tábuas de madeira
cobertas com couro. Apenas ele e o senescal da vila, Ternius, portavam espadas.
“O que eles estão fazendo?”
Perguntou Ternius, abrindo caminho entre os homens para ficar ao lado de Valent. Ternius
era um homem magro e lupino na casa dos cinquenta, com cabelos e barba grisalhos,
embora ainda fosse um lutador capaz.
“Não é do feitio deles anunciar sua presença ou nos atacar em tão grande número em plena
luz do dia.”
Valent assentiu, mas não disse nada. Ternius estava certo. Algo estava diferente, e isso o
enchia de um terrível pressentimento. Os homens nas muralhas olhavam para ele, seus
olhos implorando por algumas palavras para fortalecê-los contra o terror além do muro. Mas
ele não tinha nada para dar a eles. Em vez disso, sacou sua espada e apontou para a
esquerda e depois para a direita.
"Espalhem-se ao longo da parede norte"
Rugiu em comando.
"Quero flechas preparadas e a passagem para o portão norte coberta. Baeren, Orthus,
posicionem-se no portão sul; eles podem nos atacar de ambas as direções."
Enquanto os homens se moviam para assumir suas posições, Valent acrescentou:
"Menoth esteja com vocês."
As palavras ecoaram secas, e ele sentiu pouco conforto ao pronunciá-las, assim como seus
homens devem ter sentido pouco conforto ao ouvi-las.
Ternius permaneceu ao seu lado, com uma mão no cabo de sua espada. Seu rosto áspero
era impossível de ler.
"Eles estão se consumindo, Valent"
Ele disse finalmente. Enquanto acenava com a mão da espada para a multidão crescente
de Molgur.
"Nenhum homem, não importa quão forte seja sua fé, pode suportar essa loucura. Sem
eventualmente se perder para ela."

Valent apertou os dentes, sentindo a voz sombria de seu pai ecoar com a análise.
"Estou profundamente ciente da nossa situação, Ternius"
Disse amargamente, virando-se para encarar o homem mais velho.
"Você não acha que a cada momento que estou acordado eu não sou consumido por isso?
Em nenhum momento você considerou que rezo todas as noites por algum sinal, por uma
salvação?"
Valent então se aproximou, trazendo seu rosto a centímetros do de Ternius.
“Há apenas o silêncio Ternius”
Murmurou ferozmente.
"Fomos abandonados ao nosso destino."
Com uma pausa se deixou tomar pela raiva e a desesperança, e então deixou sair de sua
boca aquilo que o assombrava a cada momento de sua vigília ao longo dos últimos anos.
"Isso é um castigo do Criador pela loucura de meu pai."
Ternius deu um passo para trás, com a boca cerrada de raiva. Ele tinha sido amigo e
seguidor de Varus desde antes do nascimento de Valent, e, como muitos na vila,
considerava o homem um modelo de fé Menita. Valent notou as mãos de Ternius se
fechando em punhos ao lado do corpo, e por um momento, ele se perguntou se chegariam
às vias de fato.
O momento então foi interrompido pelos Molgur que estavam além da paliçada. Um coro de
gritos agudos ecoou pela clareira, e Valent virou-se para ver cinco mulheres Molgur
emergindo da floresta, seus corpos nus pintados com padrões em espiral de preto e
vermelho. Ele já tinha visto mulheres assim antes. Eram as xamãs dos Molgur, e eram suas
facas de pedra que derramavam o sangue de seu povo para alimentar o apetite de seu
deus blasfemo. Elas pulavam e se contorciam, em suas demonstrações rítmicas sugerindo
alguma dança ritualizada e selvagem. No centro dos xamãs caminhava um homem sem
camisa, com seu peito magro coberto de vermelho ao qual Valent não conseguia entender
se era tinta Molgur ou o próprio sangue do homem.
"Menoth nos proteja”
Valent ouviu Ternius sussurrar atrás de si, com uma voz grave e repleta de horror.
“Não pode ser... é Neras.”
Valent respirou fundo, sentindo o peso do desespero sobre ele. Neras estava entre os
últimos do grupo de caça que ele havia enviado. Há duas semanas o grupo foi surpreendido
por Molgur a alguns quilômetros da vila, mas conseguiu lutar de volta para até Trácia.
Todos, exceto Neras.

Ele foi ferido no confronto inicial, e os outros foram obrigados a deixá-lo para trás. Todos
acreditavam e na verdade, esperavam que Neras tivesse sucumbido aos ferimentos antes
que os Molgur o encontrassem. A ideia do que poderia vir a acontecer ao homem fez o
estômago de Valent se revirar.
Das muralhas Menitas, todos os olhos estavam fixos no espetáculo que se desenrolava à
beira da floresta. Um Molgur macho forçou Neras a ajoelhar-se enquanto as xamãs
dançavam e uivavam ao seu redor. Os guerreiros flanqueavam o grupo em duas linhas
escalonadas e adicionavam seu próprio cântico gutural, profundo e retumbante, ao grito
ululante das fêmeas. Neras ajoelhou-se imóvel, de cabeça baixa, a imagem perfeita de um
homem que aceitou o seu destino.
Valent viu que uma das mulheres segurava uma lâmina em sua mão direita uma das finas e
brutalmente afiadas facas de pedra que todas as xamãs Molgur carregavam. Ele sabia o
que aconteceria em seguida e olhou para os homens ao longo das muralhas. Seus arcos
não tinham alcance para derrubar os Molgur ou proporcionar a Neras uma morte rápida. Ele
se forçou a assistir enquanto o cântico selvagem se intensificava, crescendo mais alto e
frenético. Seus homens precisavam vê-lo aceitar sem pestanejar o que aconteceria em
seguida. Se ele hesitasse, como ele poderia esperar que seus homens permanecessem
firmes?
As xamãs pararam subitamente de dançar, e seus uivos estridentes desvaneceram-se no
trovão surdo do cântico dos guerreiros Molgur. Duas das mulheres avançaram para segurar
Neras pelos braços, enquanto aquela que empunhava a faca de pedra aproximava-se por
trás agarrando-lhe pelos cabelos. Então, sem cerimônia, com um puxão colocou a cabeça
de Neras para trás, estendeu a mão direita e passou a faca pela garganta dele com um
único movimento selvagem.
Mesmo de onde Valent estava no topo das muralhas, era possível ver o sangue jorrar.
Neras se debatia e lutava e sua aparente apatia foi esquecida à medida que sua vida
jorrava de seu corpo. As mulheres Molgur o seguraram firmemente até que seus últimos
momentos de angústia cessassem, e ele desabou em suas mãos.
Ao longo da muralha, Valent pôde ver seus homens agrupados em duplas ou trios,
esquecendo suas ordens em busca do conforto das palavras uns dos outros. Ele não os
repreendeu; não havia ameaça imediata, e eles ainda estavam seguros atrás de suas
muralhas. Os Molgur haviam realizado rituais semelhantes com Menitas capturados no
passado, embora ele não se lembrasse de tantos desses selvagens presentes antes.
Os xamãs Molgur ergueram novamente as vozes em um grito estridente, e aqueles que
seguravam Neras recuaram, deixando seu corpo sem vida cair no chão. As cinco mulheres
viraram as costas para a vila e encararam a floresta com os braços erguidos. Seu canto
estridente adquiriu uma qualidade de melodia à medida que se harmonizou com o canto
mais profundo dos guerreiros.
Valent percebeu algo se acumulando no ar, algo antigo e inominável, uma energia que o

fazia sentir-se vulnerável mesmo atrás de suas muralhas. Ele viu as árvores na floresta
começarem a balançar diretamente no caminho das xamãs Molgur e ouviu o grito gemido
de troncos se partindo sob algo imensuravelmente grande e pesado.
Quando a criatura emergiu da floresta, erguendo-se sobre os Molgur diante dela, mal
parecia real, um fragmento de algum terrível pesadelo desperto. Ele percebeu uma
respiração coletiva entre seus homens e tomou consciência de sua própria boca
movendo-se involuntariamente em uma prece desesperada ao Criador.
A criatura que os Molgur tinham invocado se erguia tão alta quanto a parede ao redor da
vila. Mantinha-se sobre duas pernas,e seus longos e poderosos braços terminavam em
mãos com dedos achatados. Pelos brancos e ásperos cobriam seu corpo e pendiam em
tufos longos de seus braços e ao redor de seus cascos fendidos. Sua cabeça de focinho
reduzido, que se erguia a 5 metros do chão, era coroada com um espiral de chifres,
semelhante ao de um carneiro, mas coberto por densas placas ósseas.
Ao lado de Valent, Ternius sacou sua espada enquanto agarrava o topo da paliçada com a
outra mão; a força era tanta que seus dedos estavam completamente brancos de tensão.
Ternius voltou seu olhar para Valent, seus olhos arregalados e a garganta se movendo em
puro terror mudo. Valent nunca tinha o visto tão assustado, e sentiu que o medo do homem
era contagioso, por um instante Valent sentiu como se uma serpente de horror se
entranhasse em seu coração e vísceras, devorando sua coragem.
Nesse momento de desespero, Valent agradecia pelos os aldeões não poderem ver o que
estava acontecendo além das muralhas. Ele mal podia imaginar o pânico que uma visão
assim causaria.
Os Molgur haviam cessado os cânticos, e um silêncio mortal pairou sobre a clareira. A
criatura encarava os xamãs à sua frente, arranhando o solo com um casco maciço. As
mulheres recuaram, afastando-se do corpo de Neras, enquanto os guerreiros flanqueavam
o monstro em duas linhas, apontando diretamente para o portão norte da paliçada da vila. A
besta avançou, com cada passo seu fazendo a terra tremer, e então se abaixou para cheirar
o corpo de Neras. Após um momento, ergueu-se à sua altura total, e virou a sua cabeça
maciça semelhante a de um mamute na direção da vila. Valent sentiu que algo havia
ocorrido entre a criatura e os Molgur, mesmo sem palavras sendo proferidas. Uma oferta foi
feita e aceita.
Ele sabia em seus ossos o que viria a seguir, mesmo antes que a grande besta abaixasse a
cabeça e começasse a pisotear a planície aberta em direção à vila, Valent gritou às suas
ordens.
"Arqueiros! Abatam-na antes que alcance o portão!"
Sua voz sacudiu os homens de sua paralisia de terror, e eles se apressaram em formar uma
linha ao longo das muralhas no norte.

A besta se movia rapidamente, suas patas onde tocava transformava a terra queimada em
adubo. Os Molgur se moviam atrás de seu campeão em uma multidão dispersa, suas vozes
elevadas em um coro de uivos de guerra.
Valent ergueu sua espada e mais uma vez bradou em ordem.
"Preparem e soltem!"
Ao lado dele, quatorze homens puxaram seus arcos e lançaram suas flechas com pontas de
ferro na besta que avançava. A maioria das flechas assobiou passando por ela ou afundou
em sua pele sem efeito aparente; e aquelas que atingiram seu crânio e chifres
ricochetearam, quebradas e inúteis.
“É muito grande!"
Disse Ternius, agarrando o braço de Valent.
"Deixe-o chegar mais perto. Talvez o portão aguente."
Valent assentiu, embora ele não acreditasse de verdade nas palavras de Ternius.
"Concentrem-se nos Molgur!"
Ternius gritou, e sem demora os homens puxaram seus arcos mais uma vez.
Desta vez, suas flechas voaram sobre a besta e encontraram alvos muito mais macios.
Valent observou com satisfação sombria enquanto quatro guerreiros Molgur e uma das
xamãs caíam no chão, com uma flecha Menita alojada em seu peito, torso e crânio.
A besta estava a apenas 18 metros do portão agora, e não diminuía a velocidade. Avançava
como uma força da natureza, um furacão ou terremoto em forma física. Saltou a vala rasa
na base da parede e colidiu com o portão sem diminuir a velocidade. Valent sentiu toda a
parede tremer e ouviu o som terrível de vigas pesadas se partindo sob o ataque.
"Continuem atirando!"
Valent gritou para os homens ao seu redor. E então, voltou-se para Ternius e com um puxão
o conduziu por um declive de terra em direção à vila.
Os habitantes de Trácia foram expulsos de suas casas pelo som da besta no portão, e
estavam se movendo em uma multidão dispersa longe da parede norte. Quando Valent e
Ternius chegaram à base do declive, Valent puxou Ternius para perto e lhe ordenou.
“Preciso que você pegue Baeren, Orthus e mais seis dos nossos guerreiros e conduza
nosso povo para fora pelo portão sul.”
“O quê?!”

Ternius exclamou, afastando-se de Valent.
”'Abandonar a Trácia? Seremos massacrados lá fora! Seu pai...”
“Chega!”
Valent em tom de desaprovação o interrompeu.
“Meu pai não estava seguindo a vontade do Legislador quando nos liderou para o norte,
Ternius. Ele estava seguindo a própria vontade. Nosso povo está morrendo. Não há futuro
aqui.”
A parede tremeu novamente quando a besta se chocou contra o portão, enfatizando a
declaração de Valent.
“Preciso que você conduza nosso povo para longe disso”
Disse Valent, com um tom mais suave, quase suplicante.
Ternius o encarou por um momento e então assentiu e perguntou.
“'Eu farei isso. Mas para onde iremos?”
"Vá para o sul. Leve-os para casa. Uma das colônias os acolherá."
Respondeu Valent. Mas Ternius franzia o cenho em resposta.
"Você não pretende nos seguir"
Disse ele gravemente.
Valent balançou a cabeça em sinal de negação.
“Pecados plantados pelo pai são colhidos pelos filhos"
Disse suavemente, citando o Cânone da Verdadeira Lei.
"Eu conseguirei algum tempo para vocês."
Disse Valent.
Ternius então estendeu a mão e segurou o ombro do jovem.
"Que Menoth lhe dê forças, Valent. Nos encontraremos novamente em Urcaen."
Em seguida, virou-se e começou a gritar os nomes dos guerreiros que o acompanhariam.
Valent observou o grupo descer das muralhas e se apressar em direção ao portão sul. Os

homens restantes haviam esgotado suas flechas e o observavam em busca de mais
ordens.
Ele olhou para cima e apontou sua espada para o portão, que agora se curvava para dentro
e que poderia desabar a qualquer momento.
"Peguem seus machados!"
Ele gritou para a meia dúzia de homens que ainda resistiam nas muralhas.
“Juntem-se a mim no portão! Que o Criador seja testemunha de seu sacrifício hoje!"
Ele sentiu surgir um forte orgulho quando cada homem pegou o machado do cinto, fixou o
escudo no braço e começou a descer as muralhas. Valent avançou em direção ao portão,
seus poucos guerreiros seguindo atrás. Ele podia ouvir as vozes ásperas dos Molgur do
lado de fora das paredes, que eram silenciadas apenas pelos profundos gritos retumbantes
da besta. Ele e seus homens pararam a cerca de 18 metros do portão já danificado, no
meio da estrada que dividia as metades leste e oeste da vila. Atrás deles, os habitantes da
Trácia fugiam em direção ao portão sul, e Valent conseguia ouvir a voz de Ternius sobre o
tumulto, gritando ordens e palavras de encorajamento.
"Formem uma cunha atrás de mim"
Disse Valent, e os homens obedeceram, criando um triângulo irregular com Valent à frente.
Ele posicionou seu grande escudo oval à frente do corpo, apresentando o Menofix o
símbolo de Menoth estampado em sua superfície ao inimigo. Então, ele olhou para a
paliçada de madeira, que agora parecia tão frágil, e ofereceu uma oração silenciosa a
Menoth.
“Que minha morte tenha algum significado”
Ele implorou ao Legislador.
“Não puna meu povo pelo orgulho de meu pai.”
Ele esperava que sua oração simplesmente se dissolvesse no éter, como aconteceu todas
as vezes anteriores, mas desta vez seu apelo não foi recebido com silêncio.
Valent sentiu o súbito peso sufocante de uma presença que sua mente mal conseguia
compreender; ela avançou por ele, preenchendo cada fibra de seu ser com uma vontade
vasta e indomável. Ele tinha uma vaga consciência do portão se despedaçando diante dele
enquanto a besta avançava. Como se através de uma névoa, ele viu quatro de seus
homens largarem suas armas e fugirem, enquanto dois soltavam gritos de batalha roucos e
investiam para sua certa perdição. Mas então, o portão, seus homens e a besta
simplesmente desapareceram, e ele viu um muro de pedra imponente, tão imenso que não
conseguia ver onde começava ou terminava. Sobre essa poderosa barricada pendiam
enormes tapeçarias com o Menofix, e no topo, ele viu muitos soldados, seus escudos
também ostentavam o símbolo do Criador.

Foi uma visão gloriosa, e ele sentiu lágrimas arderem-lhe nos olhos.
A visão continuou, e Valent viu um grande sol amarelo se erguendo atrás do muro, tão
brilhante e puro quanto a vontade de Menoth. Quando então, uma voz falou em sua mente,
uma voz tão gloriosa e terrível que ele pensou que sua cabeça se partiria, incapaz de conter
sua enormidade.
“VEJA O MURO”
Ecoou a voz.
“VOCÊ É MEU ESCUDO. E VOCÊ CUIDARÁ DA CHAMA QUE FICA ENTRE A
ESCURIDÃO E AQUELES QUE OBEDECEM À VERDADEIRA LEI.”
Então, tão subitamente quanto havia vindo, a presença o deixou, levando consigo a visão
do magnífico muro. As visões e sons da condenada Trácia rugiram de volta através de seus
sentidos, e Valent se viu de joelhos diante do portão destruído. Viu a besta agachada sobre
o cadáver esmagado de um de seus homens, enquanto outro Menita estava agarrado em
um dos punhos enormes da besta. Em resposta a besta golpeava o corpo em sua mão
contra o chão repetidamente, deixando uma mancha sangrenta na terra que se alargava a
cada golpe.
Valent se levantou lentamente e mais uma vez colocou seu escudo à sua frente.
"Eu sou o escudo"
Disse suavemente, seu corpo vibrando com poder.
"Eu permanecerei de pé!"
Esse último ele gritou, fazendo com que a besta girasse sua cabeça com chifres em sua
direção. Atrás dela, os Molgur fluíam pelo o portão quebrado, embora não avançassem
muito. Eles não tinham pressa. A vila era deles, e pararam para assistir ao monstro que
haviam solto contra seus inimigos fazer seu trabalho.
A besta se endireitou à sua altura total e deixou cair o cadáver arruinado de sua mão. Ela
raspou o chão e encarou o humano que ousou desafiá-la, depois baixou a cabeça e
avançou.
Valent apoiou seu escudo contra o corpo e firmou os pés, se preparando para o impacto
terrível. Sentiu um calor repentino em seu braço direito e olhou para baixo, vendo chamas
amarelas deslumbrantes tremulando ao longo da longa lâmina de ferro da espada de seu
pai. Ele não sentiu medo, nem arrependimento. Era um recipiente vazio no qual Menoth
havia derramado sua vontade.
A besta cruzou o espaço entre o portão e Valent no intervalo de um piscar de olhos e
golpeou seu escudo com sua cabeça maciça e nodosa, como um verdadeiro aríete vivo. Ele

deveria ter sido arremessado para longe, esmagado pela terrível força da besta Molgur ou
transformado em uma pasta vermelha sob seus cascos. No entanto, no momento do
impacto, o Menofix em seu escudo brilhou com uma luz dourada brilhante, e ele não sentiu
mais do que um empurrão forte contra as tábuas de madeira robustas. A besta, no entanto,
reagiu como se tivesse se chocado diretamente contra o grande muro de pedra que Valent
vira em sua visão, recuando da pancada em um escudo absurdamente pequeno com um
mugido dolorido e cambaleando de volta em direção ao portão.
Valent avançou com ímpeto, esquivou-se de um golpe desajeitado do punho maciço da
besta e enfiou sua espada flamejante até o cabo embaixo de suas costelas do monstro. A
criatura soltou um grito gutural espesso e recuou, quase arrancando a lâmina da mão de
Valent. Mas ele a segurou firmemente, e a espada deslizou para fora do corpo da besta
enquanto ela cambaleava para longe. Fumaça subia da lâmina, já que as chamas ao longo
de seu comprimento consumiam o sangue da criatura.
A besta deu alguns passos, agarrando a ferida no torso, e então caiu de joelhos, sangue
escorrendo por seu corpo e formando poças no chão. Valent levantou seu escudo e
avançou em direção à besta. Ela o observou se aproximar, seus olhos negros turvados pela
dor e fúria. Quando ele estava a uma distância para atacar, ela levantou um braço
fracamente para se proteger, mas Valent desviou o golpe com seu escudo e se aproximou,
trazendo sua espada em um borrão de ferro flamejante. A lâmina cortou o pescoço espesso
da besta como se fosse feita de cera, e a enorme cabeça chifrada rolou para o chão aos
seus pés. O corpo da criatura desabou para trás e se chocou contra a terra.
Valent virou-se para enfrentar os Molgur reunidos e viu em seus rostos uma mistura de
horror e admiração. Apontou a lâmina ardente para eles, colocou seu escudo e o símbolo
sagrado do Legislador à frente do corpo e esperou. Eles o encararam em silêncio, mas não
fizeram menção de para atacar. Longos momentos se passaram, e ainda assim os Molgur
não avançaram. Finalmente, um dos guerreiros corpulentos simplesmente virou-se e
atravessou o portão destruído. Outro o seguiu, e então mais um. Os Molgur deixaram a
Thracia aos poucos, até que apenas Valent permaneceu.
Ele deixou sua espada cair ao lado, e as chamas tremulantes ao longo da lâmina
desapareceram. Seu escudo parecia muito pesado, e o cansaço dominava seus membros.
Atrás dele, ouviu pessoas se aproximando, e lentamente virou-se para ver aqueles
guerreiros que haviam fugido retornando, com vergonha estampada em seus rostos. Um
deles, um homem de cabelos escuros chamado Caleon, caiu de joelhos diante de Valent.
“Meu senhor”
Disse Caleon, usando o título de honra geralmente associado aos sacerdotes-reis da Antiga
Icthier.
"O que faremos agora?"
Valent embainhou sua espada e olhou para as paredes de madeira da vila de seu pai.

"Nosso povo está disperso para o sul"
Ele disse após uma longa pausa.
"Uniremos todos aqueles que seguem a Verdadeira Lei sob a vontade do Criador. Eu vi uma
fortaleza contra as trevas ainda maior do que Icthier."
Ele estendeu a mão, colocou-a no ombro de Caleon e sorriu.
"Siga-me, irmão, e juntos construiremos o Muro."

Texto traduzido por Silvio Rodrigues Gouvêa do Crônicas do Bardo.
OBS. Não sou um tradutor profissional e não tenho o intuito de ganhar dinheiro com essematerial.
Por isso a tradução foi feita com calma e cautela porém foi necessário acrescentar pequenas palavras e frases para que pudesse ser compreendido como um todo mas sem mudar a história oficial. Espero que esse texto e muitos outros possam vir para que mais pessoas possam ter acesso a essas incríveis histórias que se passam no meu atual cenário favorito, o Reinos de Ferro.

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