terça-feira, 16 de abril de 2019

Jardins Imperiais de Lenórien

Pedro Henrique 5 de ago de 2008 lista Tormenta


Diz a lenda que os *Jardins Imperiais de Lenórien* haviam sido construídos para servir de ponto de encontro entre os druidas que habitavam a região e   os primeiros sacerdotes de *Glórien*, logo após a chegada da frota élfica ao continente Lamnoriano. Dizia-se que aquele era o mais belo jardim de todo Arton. Com o passar dos anos viajantes, que passavam pela região, desviavam de sua rota para apreciar a beleza criada por * Allihanna* e realçada pela
magia dos elfos. Logo pequenas comunidades surgiram nas redondezas e com o aumento populacional os druidas não-elfos decidiram abandonar a região deixando-a aos cuidados dos elfos dogmatizados. Os *Jardins* recebiam visitantes de todos os cantos do antigo reino dos elfos em todas as estações, famílias inteiras vinham visitá-lo. Até que eles vieram, até que o mundo mudasse.

XXXXXX

Elianitalana se esgueirou pela vegetação que rodeava o antigo* Jardim Imperial*, a jovem sempre quis voltar ao lugar. O cheiro a fazia lembrar de tempos felizes. Os jardins ficavam há pelo menos dois dias de viagem da antiga capital *Lenórien*, hoje tomada pelo inimigo, o acampamento do grupo de Elianitalana não estava muito longe. Eles eram alguns dos poucos sobreviventes que permaneceram e não foram capturados, eram a resistência
contra o exército invasor. Estavam em território hostil e não estavam seguros. Parte de uma missão de reconhecimento e ela havia abandonado seu posto como vigia do acampamento, confiante que a magia que deixou para trás seria o suficiente para alertar seus companheiros se o perímetro fosse violado por algum invasor.

A antiga fonte, que antes brincava com a água de maneira a atrair os olhares dos visitantes, estava destruída e não mais retinha o liquido que brotava do subterrâneo. As estátuas e esculturas que se espalhavam pelo parque estavam em pedaços, as representações das deusas dos elfos profanadas. As milenares árvores sagradas da deusa da natureza que permeavam o local aparentemente foram arrancadas do solo, despedaçadas e deixadas para apodrecer, ou então queimadas até virarem cinza. Os invasores devotos de *Ragnar * fizeram tudo ao seu alcance para destruir a presença harmoniosa das deusas no local.

Já haviam se passado quase duas décadas e ela temera que com a
permanência dos bestiais na região os *Jardins* perdessem sua beleza que tanto a cativara na infância. Tudo aquilo que ela tinha esperança de encontrar não estava mais lá. Elianitalana mordeu seu lábio inferior por frustração, seus olhos começaram a lacrimejar. À medida que o tom de cor do céu começou a clarear de maneira melancólica expondo a depedração do local que a deveria fazer lembrar da época sem preocupações e de felicidade de sua
vida agora a entristecia. Ela quase deixou que chama da esperança de retomar seu lar e de ser feliz novamente se apagasse em seu âmago.

Quando a luz do sol nascente avivou as cores do que restou dos *Jardins* Elianitalana se deixou levar pela contemplação do local. Aonde deveria haver destruição e caos a natureza se sobressaiu. As árvores que permaneceram intocadas já haviam dado frutos e novas árvores permeavam as bordas da clareira. Os restos de árvores mortas se tornaram abrigos para insetos e pequenos animais. As águas não mais retidas pela fonte escorriam em vários riachos que umedeciam o solo para prover as mudas que cresciam mais fortes alimentadas pelas cinzas das árvores queimadas há tanto tempo
atrás e onde os animas da região se juntavam aquela manhã para beber,.

"Eles marcharam, queimaram, cortaram e profanaram, mas não tiveram o poder de destruir tanta beleza. Não para sempre" murmurou Elianitalana tocando de uma das árvores que a rodeavam. Ela sentia que a árvore lhe transmitia uma força que alimentava sua esperança em dias melhores. "Talvez fosse assim quando os colonizadores encontraram este local, uma beleza bruta
e de certa maneira mais pura."

Oculta pelas árvores Elianitalana se permitiu lembrar dos entes queridos que a guerra havia tomado, entre eles seus pais e sua irmã, e de sua vida desda queda do reino dos elfos. Ela buscou forças contra o desespero na beleza ao seu redor: Um pássaro pousara perto de um tronco de árvore no centro da careira e se alimentava de alguns insetos que estavam em atividade por ali. Um grupo cervos bebia água em um riacho, enquanto os raios de sol achavam as brechas nas folhagens das copas das árvores. Aproveitando a aparência etérea da cena Elianitalana se permitiu relaxar após muito tempo.

Uma coruja piou três vezes assuntando alguns pequenos roedores e
tirando a elfa de seu devaneio. Por instinto sua mão procurou o aji preso à sua cintura. Ela sabia que corujas são animais noturnos, a esta hora da manhã uma coruja estaria bem alimentada e pronta para descansar, não haveria razão para uma manifestação tão sonora num ambiente sem ameaça aparente como aquele. Ela sabia disso por ser uma elfa, uma raça com grande afinidade com a natureza, e por ter vivido a maior parte da sua vida escondida na floresta sem um refugio fixo. Ela sabia disso, mas os hobgoblins não, ou pelo menos ela e seu companheiros rezavam para que não, este era um sinal de sua tropa, uma solicitação para aproximação. Ela respondeu com um pio curto de coruja permitindo que quem quer que fosse se aproximasse, sua mão ainda repousava no cabo de sua arma.

O vulto que se movia graciosamente pela cobertura das árvores ela
barulhento demais para ser Phylisten, irmão de Elianitalana e comandante da missão. A elfa só se permite relaxar a guarda quando um feixe de luz atingiu as mechas douradas e revelou os penetrantes olhos verdes e o rosto impassível e sereno de Kenlann, o sacerdote de Glórien destacado para tropa.

"Meu turno ainda não acabou para que você me substituir na guarda Ken."

"Eu sei, mas acordei no meio da noite e percebi que você não estava onde deveria estar. Adivinhar o resto foi fácil, você falou sobre esses jardins desde que seu irmão os apontou no mapa como referência." Repreendeu o sacerdote como se dirigisse a uma criança, apesar de não ser mais do que um ou dois anos mais velho do que a elfa. "Se fosse seu irmão a ter insônia ele ficaria extremamente preocupado com a sua ausência"

"Não ia me demorar muito, apenas queria ver o jardim mais uma vez. Talvez nunca mais possamos nos aproximar dele o suficiente para que não seja um risco muito grande vir até aqui." Enquanto conversavam Kenlann varria o lugar com seu olhar que repousou demoradamente nas imagens profanadas da deusa dos elfos, mas não se prenderam lá. Ele também começou a notar a beleza oculta que emanava da clareira.

"Estes * Jardins* devem ter sidos maravilhosos nos temos de glória do Império." Kenlann vivia em uma pequena comunidade no litoral norte do reino antes de tudo desmoronar, ele nunca tivera a oportunidade de visitar o lugar antes que seu mundo desmoronasse. Não foram somente a capital e outras grandes cidades que sofreram com a chegada da Aliança Negra.

"Meus pais costumavam trazer a mim e meus irmãos para visitar os *Jardins*. Costumávamos brincar com as outras crianças o dia inteiro e nos reuníamos perto da fonte para comer enquanto observávamos os movimentos da água. Era muito bonito, haviam várias flores e plantas espalhadas, várias estátuas cercadas de vida e cobertas de trepadeiras que complementavam o trabalho do artista. As grandes árvores sagradas eram estrondosas e parecia que nada no mundo poderia derrubá-las, algumas delas eram interligadas por
pontes de corda e passarelas que nos deixavam mais perto dos pássaros e animais das copas. A grama tinha um tom de esmeralda que meu pai dizia quelhe lembrava o mar." 

O comentário fez surgir um sorriso esquio nos lábios do elfo. 
"Em qualquer estação era um prazer visitar estes jardins. Lembro de como era difícil para minha mãe nos convencer que já era hora de ir embora. Meu pai se recusava a partir sem que todos nós nos reuníssemos e orássemos perto da estátua da Deusa que ficava no centro dos * Jardins * cercada por uma cerca viva."

"Não podemos deixar de perpetuar boas tradições." Respondeu o sacerdote começando a se dirigir para a base de mármore no meio da clareira, o único indício de onde se localizava anos antes a magnífica estátua de *Glórien* destruída pelos goblinóides.

"Ei! Não vá, ficará muito exposto, é perigoso e você sabe disso."
Alertou a elfa num tom de voz um pouco mais alto do que um murmuro, mas o mais alto que ela se permitia proferir.

"Isso não fará mal a ninguém. Ambos vasculhamos os arredores,
dificilmente deixaríamos de notar a aproximação de alguma ameaça e estamos a uma distancia segura das rotas de patrulha da região. Se não quiser me acompanhar tudo bem, fique aí então." Respondeu ele dando de ombros sem se virar, agindo exatamente como se a provocasse.

Elianitalana não se mexeu imediatamente, estava paralisada pela repentina mudança de comportamento de Kenlann. Ela lembrou das inúmeras vezes onde ele a havia repreendido por atitudes similares, uma a momentos antes, quase nunca o sacerdote agia por impulso como seria comum para idade dele se as coisas fossem diferentes.

Quando ela saiu do torpor ele já havia se aproximado da base de mármore. Não era o local onde ela orou com sua família décadas atrás, mas não havia porque disser isso em voz alta, o que valia era a intenção. A estátua de sua infância ficava em outra clareira ao norte e Kenlann não tinha como saber que eles estavam nas ruínas de um dos pequenos jardins que faziam parte do conjunto que formavam os *Jardins Imperiais*.

Antes que ele começasse sua oração ela já estava ajoelhada ao seu lado. O sacerdote sabia que como a maioria dos sobreviventes Elianitalana já não mais acredita que *Glórien* pudesse ajudá-los agora, ela fazia isso pelo carinho e amizade que compartilhavam entre si, e para ele isso era o suficiente. Ele só esperava que a deusa dos elfos fosse da mesma opinião e ouvisse as preces dela também. Os dois realizaram suas pequenas preces e se levantaram. Kenlann tocou seu símbolo sagrado com os lábios. 

 "Como eu disse, sem problemas, agora vamos antes que seu irmão acorde." Antes que sua companheira pudesse elaborar alguma resposta eles ouviram o barulho de passos, passos bem diferentes de elfos e de qualquer criatura da floresta, passos pesados feitos por botas militares. Quase uma dúzia de hobgoblins se aproximava rapidamente em formação de ataque. Eles sabiam que não resistiriam a tantos em um embate.

Sem que fosse preciso trocar qualquer palavra ou gesto ambos de viraram na direção oposta, buscando a proteção das árvores para despistá-los, e se depararam com um hobgoblins esquio de pelagem acobreada portando duas adagas de punho bloqueando seu caminho e lançando sobre eles um olhar penetrante de satisfação. Elianitalana buscou olhá-lo nos olhos e teve certeza que ele era um psicopata treinado, alguém que poderia matá-los apenas pelo prazer de vê-los sofrer. Sua postura e prontidão indicaram que aquele caminho estava fora de cogitação. Ele havia se aproximado demais sem que nem ela ou Kenlann percebesse, ele era um batedor muito eficiente, mesmo sozinho eles precisariam de minutos para superá-lo em uma batalha.

Agarrando a manga de Kenlann ela tentou alternar o momento de ambos para uma rota perpendicular. Eles estavam quase na metade do caminho em direção a proteção das árvores quando um enorme vulto surgiu obstruindo novamente seu caminho. Era um goblinóide grande demais para ser um hobgoblin; Era um bugbear, intimidante, portava um martelo enorme como se esmagar muitos crânios fosse parte de suas atividades diárias. Seus outros perseguidores estavam logo atrás, o batedor de olhar atemorizante estava praticamente em seus calcanhares. Eles estavam ficando sem rotas de fuga.

Uma flecha disparada por um hobgoblin do batalhão fez Kenlann tropeçar. Ele caiu rolando e rapidamente estava em pé, mas era tarde, eles estavam cercados. Com armas sacadas e de costas um para o outro eles esperavam um ataque iminente.

Com o cerco fechado os dois elfos sentiam o tempo de prolongar da
maneira surreal. Eles buscavam o olhar de cada oponente para intimidá-los, procuravam brechas em sua formação e postura de combate que pudessem ser exploradas. Não havia nada.

Contra goblinóides muitas vezes um olhar intimidante retirava a vantagem numérica, o medo da morte individual normalmente superaria a confiança nos ganhos do trabalho em equipe. Os pequenos goblins estão mais sujeitos a essa tática, mas muitos grandes guerreiros elfos conseguiam fazer o mesmo com os disciplinados hobgoblins. Nenhum dos dois elfos era um grande guerreiro élfico e por isso não esperavam que essa tática funcionasse.

Guerreiros inexperientes não sabem como manter uma boa formação. Mesmo os mais experientes só conseguem manter uma formação sem falhas a custa da confiança em seus companheiros, característica rara entre os goblinóides. Este grupo lutava escudo com escudo, um protegendo o outro. Era sabido que muitos clãs de hobgoblins tinham conseguido atingir este nível habilidade. Opoentes inseguros ou confiantes demais deixam à mostra seus pontos fracos, ou por se preocupar demais com eles ou por subestimar a habilidade do oponente. Os membros do cerco eram definitivamente experientes e expunham cicatrizes suficientes para não cometer o erro de subestimá-los mesmo com a ampla vantagem numérica que possuíam. Não havia um elo fraco na corrente.

Tanto Elianetalana quanto Kenlann chegaram a conclusão que iam precisar de muito mais que sorte para escapar dessa vivos. Dois hobgoblins abriram espaço e um hobgoblin com cabelos compridos e pelagem negra, trajando um peitoral de aço platinado e empunhando uma espada de duas mãos se adiantou pela brecha momentânea. Ele emanava um ar de liderança e extrema segurança
que não deixou dúvidas sobre quem estava no comando.

"Se sobrevivermos a isso me lembre de nunca mais confiar em seu senso de perigo." Murmurou Eliantalana sem conseguir conter o leve sorriso que se formou em seus lábios e fazendo Kenlann explodir um riso que ecoou pela carreira.

XXXXXX

O manto de Tenebra que cobria os céus já tinha se desaparecido, era hora da face de Azgher clamar sua metade do dia. O vento balançava os galhos das árvores, o barulho da cachoeira distante ressoava por toda aquela parte da floresta, os animais noturnos já estavam recolhidos em seus lares e as criaturas diurnas davam início as suas atividades.

Poucas coisas estavam diferentes do alvorecer anterior, uma dessas pequenas mudanças era a caverna que se encontra em uma afloração rochosa no meio da floresta. Diferentemente da manhã anterior a caverna possuía visitantes. Um grupo de elfos da resistência Lamnoriana a utilizava com abrigo temporário. Os anfitriões, uma ursa parda e seu filhote, se sentiam contentes em partilhar seu lar com seus novos amigos que tão gentilmente haviam os presenteados com peixes e favos de mel.

Não se ouvia barulho algum partindo de lá, a caverna contrastava com a luz do alvorecer realçando a escuridão, todos ainda dormiam. Bem, quase todos: a presença dos elfos era uma novidade paro o pequeno urso que levantou logo cedo. Inquieto ele decidiu brincar um pouco, levantou e mordicou a orelha da mãe para acordá-la. Sonolenta a ursa ergueu a cabeça e rosnou mal humorada. Percebendo a falta de interesse da mãe o ursinho saiu procura de outro parceiro de brincadeiras. Ele reencontrou o seu novo amigo que tinha brincado do ele na noite anterior, para fazê-lo dormir, deitado perto dos restos da fogueira que foi acessa no dia anterior.

Phystislen dormia por pura exaustão, era a primeira vez em dias que conseguia repousar por mais de duas horas. Estava tão cansado que não se importava com a coisa pegajosa que estava sendo esfregada em seu rosto, na verdade nem a sentia direito. O elfo, líder da tropa, só esbanjou alguma reação quando alguma coisa vez cócegas em sua orelha. Tentando afastar o que o estava o incomodando com um tapa, Phystislen topou sua mão com algo maior do que esperava.

Mesmo assim o patrulheiro só despertou quando sentiu sua mão ser
abocanhada. Por reflexo ele retraiu seu braço, não houve resistência, mas ele sentiu sua pele rasgar e um gemido de dor escapou de seus lábios. O susto repentino confundiu a mente exausta do elfo, que por instinto buscou a faca que sempre deixava escondida debaixo do travesseiro. Antes de cometer uma besteira pela qual se arrependeria profundamente, seus outros sentidos começaram a funcionar na semi-escuridão da caverna.

Havia algo pesado em suas pernas, seu rosto estava melado, o cheiro de pelos enchia suas narinas e, como se isso não fosse o suficiente, ele ouviu o ganido de excitação do filhote de urso. Enquanto sua visão clareava e ele tentava se levantar o ursinho jogou-se em cima dele tentando continuar a brincadeira.

"Calma pequeno" murmurou o recém desperto elfo "assim vai acabar acordando a todos e aposto que eles, como eu, gostariam de descansar um pouco mais." Phystislen sabia que não possuía a habilidade de se comunicar livremente com criaturas selvagens, mas o pequeno animal pareceu entender o que lhe foi dito recuando um pouco dando espaço para o elfo.

Sua mão possuía um arranhão profundo, mas não estava mais sagrando, ele sabia que o machucado superficial foi causado mais pela sua reação abrupta do que qualquer intenção do pequeno animal. 
 "Você deve ter acabado de açodar, e deve ter gostado muito de mim para ficar tanto tempo tentando me acordar." Disse o patrulheiro enquanto afagava a cabeça de seu novo amigo que respondia empolgadamente. Resignado com o final de seu descanso e a brincar com o filhote ele passou a procurar pelo responsável pelo turno de vigília que deveria ter ouvido a confusão e estava demorando a investigar o ocorrido. Ele ponderou as possibilidades que poderiam o estar impedindo, preocupado o elfo se levantou e foi averiguar o perímetro silenciosamente. Ele sentia que algo ruim tinha acontecido.

Os sacos de dormir de Elianitalana e Kenlann estavam vazios. Quando o pequeno urso ganiu novamente Phiystislen se virou para ele cruzando seu dedo indicador com seus lábios, indicando silêncio. Do lado de fora da caverna não encontrou sinal dos companheiros sumidos ou de qualquer ameaça. Seguido o tempo todo pelo seu pequeno amigo Phystislen passou a procurar por rastros.

Perto da entrada da caverna ele encontrou um fio de linha grossa amarrado em um sino de prata. Elianitalana havia usado a magia que ele a ensinara, um claro indício que ela tinha saído por vontade própria. Isso diminuiu sua inquietação, mas não a extinguiu. Sua irmã estava em uma fase de rebeldia ela poderia ter desobedecido a sua ordem de não se aproximar dos *Jardins Imperiais*. Mas os rastros tinham algumas horas e se Kenlann foi atrás dela eles já poderiam ter voltado.

"Você vai ficar aqui pequeno amigo. Estou com um mal pressentimento, vou acordar meus companheiros e iremos partir em breve. Você não pode ir conosco, o que a mamãe ursa ia pensar de nós? Ela morreria de preocupação."
O ursinho pareceu ter ficado cabisbaixo com a constatação.

Enquanto o filhote rolava de um lado para outro tentando voltar a dormir, Phystislen acordou seus companheiros e em poucos minutos estavam todos prontos para partir. Afagando uma vez mais o filhote o patrulheiro lamentou não poder continuar a brincar o esperto animalzinho.

XXXXXX

"Veja o que encontramos Capitão: dois *elfos* religiosos" a entonação da palavra 'elfos', soava como uma ofensa na grutal língua dos hobgoblins. 
"Uma pena que tenham escolhido o local e a hora errados pra rezar..." completou em tom jocoso um dos soldados que formavam o cerco em volta dos elfos.

"Será que são algum tipo de deuses?" Emendou outro. "Estão cercados e parecem estar rindo disso." 
Os comentários ofensivos e descabidos serviam para aliviar a tensão dos soldados a tanto tempo em campanha e, quem sabe, ludibriar seus oponentes para aumentar as chances de vitória. Um oponente cego pela raiva tende a cometer deslizes fatais.

Antes da queda do poderoso reino élfico nenhum guerreiro daquela raça havia se prestado a aprender a língua de seus inimigos hobgoblins, eram orgulhosos demais para aprender a linguagem de seres que consideravam inferiores. Com a queda do império alguns elfos deixaram parte do seu orgulho de lado e aprenderam a língua goblin na esperança de aumentar usas chances em uma resistência inútil contra a dominação da Aliança Negra.

"O macho carrega o símbolo da prostituta de Ragnar. Vamos matá-lo e usar a fêmea como nossa prostituta." Um coro de aprovações ressoou pelo círiculo. Ou os elfos não entendiam o que os soldados diziam ou eles tinham grande domínio sobre suas reações, eles ainda pareciam estar só observando seus captores.

"Sim, depois dela ter servido a todos nós eu irei matá-la também e aí possuí-la novamente." O comentário vindo de Kalman, o batedor do regimento, encheu de asco Arkon Moriken. Kalman era um dos melhores batedores hobgoblins, mas também fazia parte da suposta punição imposta ao capitão do regimento, membro de um clã rival que deveria tentar mata-lo assim que uma boa oportunidade se apresenta-se.

"Isso vai ser divertido..." comentou Durr 'Esmaga Crânios', outra parte da punição de Arkon. Ele deveria ser um espião da igreja de *Ragnar* vigiando as atividades de capitão. O bugbear era bem mais inteligente do que se fazia parecer e seus poderes de clérigo o tornavam um oponente formidável. Ambos foram conquistados pelo carisma de seu comandante e agora eram homens leias como qualquer outro, mas isso não mudava o fato que ambos também possuíam linhas de pensamento e gostos diferentes de seu líder eleito.

Os comentários tinham aliviado tensão por demais, seus homens estavam começando a relaxar sua guarda. Mantendo uma aparência de impassividade aos comentários Arkon ergueu sua mão exigindo silêncio. Ainda com uma mão segurando a espada e observando atentamente os elfos ele esperou que seus subordinados se recompusessem antes de se dirigir aos invasores.

"Quem são vocês, o que fazem aqui, estão sozinhos?" A pergunta foi feita em um élfico impecável, ele havia aprendido ainda na infância antes da queda do império inimigo, já haviam passado tantos anos que ele nem se lembrava como.

Ele já esperava o silêncio truncado dos elfos, ele sabia que dificilmente toda a situação tivesse quebrado a resolução deles. "Eles não vão falar, Capitão." Apontou um de seus homens. Era um comentário obvio, mas não havia o porquê de repreendê-lo em frente ao inimigo.

"Se vocês querem o jeito difícil..." Arkon estampou um sorriso falso de satisfação nos lábios "Rapazes, quero eles vivos e com menos ferimentos possíveis. Não quedo Durr gastando suas magias." Resmungos de protesto se espalharam pelo grupo. 

"São ordens do comandante! Ele quer membros das resistências vivos. Se tiverem algum problema com isso ficarei feliz em repassar suas reclamações a ele... junto com o nome do reclamante." O silêncio foi imediato, medo estampou os rostos dos soldados. Como qualquer organização goblinóide o respeito e obediência eram quase sempre conquistados pela intimidação e imposição da autoridade.

Os elfos pareceram perceber a mudança de postura de seus captores e tentaram reagir acreditando que era a oportunidade que esperavam. A elfa avançou contra Arkon procurando abalar a moral do banco matando seu líder.

Empunhando suas duas lâminas em forma de crescente ela desferiu um golpe visando a cabeça desprotegida do capitão. Arkon enxergou a finta pelo que era e apenas se abaixou deixando sua espada em posição de bloquear a segunda lâmina. Usando a vantagem de ser maior e portar uma arma mais pesada ele se impulsionou para frente empurrando a elfa em direção as lanças dos soldados que esperavam do outro lado do círculo.

O sacerdote élfico investiu com sua espada no bugbear portando o
símbolo de *Ragnar*, a ponta da arma atravessou a armadura de escamas de penetrou fundo no músculo do ombro. Com uma careta de dor Durr forçou seu ombro e usou uma de suas mãos para evitar que o elfo retraísse sua arma. Usando sua única mão livre ele brandiu seu martelo em direção a cabeça de seu oponente. O golpe foi desajeitado e sem força, a arma era grande demais para ser usado com uma única mão.

Obrigado a desviar do golpe do mesmo jeito, o elfo tentava livrar sua espada do aperto do bugbear quando ouviu uma exclamação de dor de sua companheira. A distração quase custou sua vida. Kalman havia se aproximado sorrateiramente e começou da desferir golpes com suas adagas. Seu olhar atento e armadura de anéis salvaram a vida do sacerdote, que teve de abandonar sua espada e recuar em direção a parede de escudos formada pelos outros hobgoblins enquanto começava a proferir o encantamento de uma magia.

Arkon observou de canto de olho o ataque de Kalman, ele percebeu que se a luta não acabasse logo seu batedor não conseguiria conter seu ímpeto assassino. Atrás dele Durr olhava o elfo em um olhar de ódio enquanto extraia a espada de seu ombro e começava a trabalhar em uma magia ele mesmo.

Sua oponente continuava com olhar fixo nele, tinha sido ferida por
estocadas de lança e sangrava dos braços, pernas e flancos. Quando ela avançou em sua direção ele dardejou seu corpo pela esquerda, bloqueando um dos ajis com sua espada e se colocando entre Kalman e o elfo. No mesmo movimento ele atingiu o macho com a parte de trás de sua mão, arremessando-o  contra a parede de escudos que após absorver o impacto inicial se transformou em um corredor onde o clérigo foi rapidamente espancado por várias investidas dos escudos.

Os outros hobgoblins observavam a batalha com interesse redobrado, não haviam muitas chances de apreciar a habilidade de um dos maiores espadachins da Aliança Negra. Sozinha e ferida a elfa investiu contra Arkon com golpes bem planejados e sincronizados tentavam criar uma brecha na defesa do capitão, mas ele parecia antever cada movimento da elfa.

Cada vez que ela o atacava ele se colocava em uma posição fora do
alcance de suas lâminas e de seu campo visual, o que resultava em um golpe muito menos eficiente, forçando-a a atacar com mais intensidade e velocidade em uma tentativa de compensação. Os ataques frenéticos criavam pontos cegos na visão da elfa, os mesmos pontos explorado por Arkon para se posicionar para o próximo ataque. A elfa logo compreendeu que ele estava muito acima de suas capacidades e começou a ser tomada pelo desespero.

Usando o peso de sua arma, sua força física superior e muitas vezes a própria vantagem da proteção de sua armadura em meros segundos o líder hobgoblin esgotou as energias da elfa que não havia conseguido fazer muito mais do que alguns cortes na pele desprotegida do capitão. Ele esperou o momento certo, quando o desespero da elfa atingiu seu ápice, e com um soco no queixo o guerreiro a nocauteou. Mata-la teria sido fácil...

2 comentários:

  1. Fiquei imaginando o jardim imperial e adoro as descrições das cenas e personagens.

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  2. Muito top, excelente trabalho.

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